Sumario executivo 2023
Num mundo em que várias formas de tirania moderna procuram suprimir a liberdade religiosa, ou tentam reduzi-la a uma subcultura sem direito a voz na praça pública, ou usar a religião como pretexto para o ódio e a brutalidade, é imperativo que os seguidores das várias religiões unam as suas vozes no apelo à paz, à tolerância e ao respeito pela dignidade e pelos direitos dos outros.
Para este Relatório, entendemos uma violação das FoRB como um processo, no qual distinguimos quatro fases. Estes são os principais tipos de violações: Intolerância, Discriminação, Perseguição, Genocídio.
Relatórios anteriores
Listas de reprodução de vídeo
Detalhes da metodologia e definições
Definições
Neste nosso relatório, estudámos e recorremos às seguintes fontes para desenvolver as definições e parâmetros a usar:
- Gabinete do Alto-Comissário para os Direitos Humanos (páginas internet)
- Relator Especial da ONU para a Liberdade Religiosa ou de Crença
- Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e o seu Gabinete de Instituições Democráticas e Direitos Humanos (ODIHR) (páginas internet através do link http://hatecrime.osce.org/what-hate-crime)
- Dr. Mattia F. Ferrero, Ponto Nacional de Contacto da Santa Sé com a OSCE/ODIHR sobre Crimes de Ódio.
- Dr. Heiner Bielefeldt, professor na Universidade de Erlangen e antigo Relator Especial da ONU para a Liberdade Religiosa ou de Crença (páginas internet e entrevistas pessoais)
- Prof. Massimo Introvigne, fundador da BitterWinter.org e do Center for the Study of New Religions (páginas internet e entrevistas pessoais)
- Directivas da União Europeia para a Promoção e Protecção da Liberdade Religiosa e de Crença (conversas com a equipa responsável e os decisores políticos)
- Convenção da ONU para a prevenção e repressão do crime de Genocídio (1948)
- Observatório da Intolerância e Discriminação contra os Cristãos (páginas internet e conversas com Ellen Fantini)
- Dr. Gregor Puppinck, conversas sobre a filosofia da Liberdade Religiosa, competências governamentais e limites a esta liberdade
Foram analisados relatórios das seguintes organizações, em particular a secção de metodologia:
- OSCE/ODIHR
- Departamento de Estado Norte-Americano
- Comissão Americana da Liberdade Religiosa Internacional (USCIRF)
- Pew Research Center
- Open Doors/Worldwatch List
- Relatórios do Intergrupo do Parlamento Europeu para a Liberdade Religiosa ou de Crença e Tolerância Religiosa
- Biblioteca Direitos Humanos Sem Fronteiras (www.hrwf.org)
- Biblioteca do Fórum 18 (www.forum18.org)
- Instituto Internacional da Liberdade Religiosa
a. Liberdade Religiosa ou de Crença
O artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos refere: “Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.” (Fonte: https://dre.pt/declaracao-universal-dos-direitos-humanos)
A liberdade de pensamento, consciência, religião ou crença está consagrada no artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 18.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, que devem ser lidos à luz do Comentário Geral n.º 22 do Comité de Direitos Humanos da ONU.
Segundo o direito internacional, a liberdade religiosa e de crença tem três componentes:
- a liberdade de ter ou adoptar uma religião ou crença escolhida pelo próprio – ou de não ter ou adoptar qualquer crença;
- a liberdade de mudar de religião;
- e a liberdade de manifestar a própria religião ou crença, individual ou comunitariamente com outros, em público ou em privado, através do culto, da observância, da prática e do ensino.
A liberdade religiosa ou de crença também é protegida pelo artigo 9.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e pelo artigo 10.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.” (Fonte: parágrafo 10 das Directivas da União Europeia sobre Promoção e Protecção da Liberdade Religiosa ou de Crença)
b. Limites à Liberdade Religiosa
De acordo com as páginas de internet do Relator Especial da ONU para a Liberdade Religiosa ou de Crença (http://www.ohchr.org/EN/Issues/FreedomReligion/Pages/Standards.aspx), os limites a esta liberdade fundamental são determinados pelo seguinte:
- Direitos Humanos fundamentais dos outros, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos;
- Interesse público; Risco demonstrável para a ordem e para a saúde públicas.
Além disso, a Resolução 2005/40 (parágrafo 12) da Comissão dos Direitos Humanos e resolução 6/37 (parágrafo 14) do Conselho de Direitos Humanos explicam que os limites à liberdade de manifestar a religião ou crença apenas são permitidos se cumprirem cada um dos seguintes critérios:
- se os limites forem prescritos por lei;
- se forem necessários para proteger a segurança pública, a ordem, a saúde ou a moral, ou os direitos e liberdades fundamentais de outros;
- se forem necessários para a realização de um destes objectivos e proporcionais ao objectivo pretendido;
- se não forem impostos para fins discriminatórios ou aplicadas de forma discriminatória.
Apesar de ser considerado óbvio para alguns, consideramos importante salientar que o direito à Liberdade Religiosa ou de Crença existe juntamente com o artigo 3.º da DUDH: “Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”
Por isso, a liberdade religiosa não é um "direito absoluto", uma vez que tem limites. No entanto, é um "direito não-derrogável" que não pode ser suspenso em estado de emergência.
Foi com base nestes motivos que, durante a pandemia de COVID-19 (2020 a 2023), a maioria dos Governos do mundo limitou vários direitos fundamentais, incluindo a liberdade de circulação e as manifestações públicas de religião. É difícil identificar, no entanto, o que levou alguns Governos a decidir que as comunidades religiosas necessitavam de medidas mais rigorosas, por exemplo, a limitação a um número fixo de fiéis num templo em qualquer altura, independentemente da dimensão do local. Esta medida não foi aplicada a lojas, salas de espectáculos, casinos e outras instalações onde as pessoas tendem a reunir-se perto umas das outras. Foram instaurados alguns processos contra o abuso de poder.
Como determinar se um incidente constitui uma violação da liberdade religiosa ou de crença
Nos termos deste Relatório, o primeiro aspecto que determina se ocorreu uma violação da liberdade religiosa ou de crença é observar o resultado de uma acção e compará-lo com os elementos da descrição do direito fundamental. Considere que pode ter ocorrido uma violação intencional ou não intencional por parte do perpetrador contra a(s) vítima(s). Frequentemente, é claro que uma acção intencional foi perpetrada devido à religião do perpetrador ou à religião da vítima, mas por vezes a violação é involuntária. Um exemplo é o que aconteceu na Islândia, quando a lei, ao proibir a mutilação sexual para raparigas, colidiu com a tradição da circuncisão praticada por um determinado grupo religioso, alargando depois a proibição a "crianças" para não ser discriminatória para um sexo. Isto não foi uma violação intencional da liberdade de religião, mas acabou por sê-lo. Para uma lista mais completa das violações da liberdade religiosa e de crença, ligada a outros direitos fundamentais e tipificada pelas Nações Unidas, por favor procure na seguinte página internet: http://www.ohchr.org/EN/Issues/FreedomReligion/Pages/Standards.aspx
Para efeitos do presente relatório, utilizamos como guia a grelha que surge no final do texto.
Como determinar que tipo de violação da liberdade religiosa ou de crença é descrita neste Relatório
Nos termos deste Relatório, entendemos as violações da liberdade religiosa ou de crença como um processo, onde distinguimos quatro fases. A seguir apresentam-se as definições e o que constitui a passagem à fase seguinte. As excepções, naturalmente, ocorrerão, por isso, por favor contacte a Editora para quaisquer questões. No final deste documento é apresentada uma grelha com uma lista das manifestações de cada tipo de violação, recolhida a partir das diferentes fontes citadas.
Os "crimes de ódio", tal como definidos pela OSCE/ODIHR, estão incluídos em todos os tipos de violações da liberdade religiosa. Os crimes de ódio são "actos criminosos motivados por preconceitos ou parcialidade em relação a determinados grupos de pessoas. Para que seja considerada um crime de ódio, a infracção deve satisfazer dois critérios: primeiro, o acto deve constituir uma ofensa ao abrigo do direito penal; segundo, o acto deve ter sido motivado por preconceitos". Para a análise deste relatório, a acção/inacção das instâncias da Justiça em relação aos crimes de ódio é muito importante.
Não listamos os incidentes de "discurso de ódio" porque ainda não existe uma definição legal internacional convincente e é um tipo de crime que não é reconhecido na maioria dos países do mundo. Prevemos que isto venha a mudar, mas ainda não é possível determiná-lo.
A manifestação das violações ocorre sob diferentes formas, várias das quais são classificadas como crimes e atrocidades. É importante distinguir que um crime não é igual a uma violação da liberdade religiosa, tal como uma atrocidade perpetrada contra uma pessoa não é um genocídio. É muito importante referir que o número e a frequência dos crimes e atrocidades apontam para a existência de violações dos direitos. Nos nossos estudos, podemos observar claramente que os grupos terroristas activos na África Subsariana aumentam a sua actividade com o passar dos anos. Ver os mapas comparativos produzidos pelo Centro Africano de Estudos Estratégicos em: https://africacenter.org/spotlight/sahel-and-somalia-drive-uninterrupted-rise-in-african-militant-islamist-group-violence-over-past-decade/
Nos termos deste Relatório, estes são os principais tipos de violações da liberdade religiosa e de crença:
- Intolerância
- Discriminação
- Perseguição
- Genocídio
Classificações
a. Tolerância/Intolerância.
Vai desde a classificação “sem qualquer problema” até aos vários graus de ‘intolerância’, que existe até certo ponto em todos os países e culturas. Contudo, agrava-se quando a intolerância é demonstrada abertamente e permanece incontestada pelas autoridades relevantes. Começa a ganhar forma uma “nova normalidade”. Identificamos aqui uma fase em que a intolerância se desenvolve com a repetição incontestada de mensagens que apresentam um grupo específico como perigoso ou nocivo numa sociedade. A intolerância ocorre sobretudo a nível social e cultural – clubes, eventos desportivos, bairros, artigos de imprensa, discurso político e cultura popular, como por exemplo, o cinema e a televisão. Muitas vezes, as manifestações e marchas públicas dos cidadãos para apoiar uma causa não relacionada tornam-se violentas, espontaneamente ou não, contra um determinado grupo ou os seus bens, e são autorizadas a prosseguir sem serem perturbadas. A escolha das autoridades de não reagir nem contestar é uma aprovação tácita desta forma de intolerância. Os líderes de opinião a todos os níveis (pais, professores, jornalistas, estrelas do desporto, políticos, etc.) podem promover estas mensagens.
Contudo, nesta fase, as pessoas lesadas ainda podem recorrer à lei. A intolerância não é ainda ‘discriminação’. Ainda se aplicam os direitos fundamentais à não discriminação.
Os actos de intolerância geralmente não se enquadram no âmbito do direito penal. Contudo, os actos de violência perpetrados com um preconceito específico são crimes de ódio e são tipificados no âmbito da lei penal. Os casos de "discurso de ódio" não são crimes de ódio porque não são actos violentos e não são governados em todos os países pela instância criminal do direito.
A intolerância é a mais difícil de quantificar, pois é frequentemente definida como uma ‘impressão’. Mas condiciona o ambiente com a repetição de mensagens negativas que apresentam um grupo como perigoso para o status quo. Caso existam, as mensagens negativas são contestadas por indivíduos ou líderes de opinião, que depois apontam o dedo a entidades menos definidas, como por exemplo “a comunicação social” ou “a cultura local”, ou a certas figuras políticas. Na maioria dos casos observados no Ocidente, na intolerância manifestada através de crimes de ódio (por exemplo, pintar um templo com obscenidades), o poder judicial inicia acções contra o autor, mas as autoridades políticas permanecem em silêncio. Esta situação é cada vez mais comum e altamente perniciosa, uma vez que acelera a ocorrência de discriminação "legal". Contudo, se a vítima não reportar actos de intolerância, ou se as autoridades (tanto judiciais como políticas) não reagirem de maneira firme contra estes actos, abre-se espaço para um agravamento da situação.
b. Discriminação:
Acontece quando a intolerância não é controlada. A discriminação ocorre quando há leis ou normas que se aplicam a um grupo específico e não a todos. A marca distintiva da discriminação é uma mudança na lei que consolida um tratamento ou uma distinção contra uma pessoa baseados no grupo, classe ou categoria aos quais a pessoa pertence. Há casos de discriminação directa e indirecta. É discriminação directa quando as acções são claramente dirigidas a um indivíduo pertencente a uma determinada religião, e discriminação indirecta quando, por exemplo, uma empresa apenas contrata profissionais de um determinado nível de escolaridade e os pertencentes a um grupo religioso são proibidos de se registar mesmo que tenham esse nível de escolaridade. Neste caso, é habitualmente o Estado que se torna no autor do crime que viola a liberdade religiosa. No Ocidente, estas violações ocorrem em casos de limitações à liberdade de consciência, muitas vezes ligadas a uma profissão ou ramo da educação, que também é protegida pelo artigo 18.º. As leis da blasfémia, uma vez que colocam uma crença acima de todas as outras e porque protegem não um indivíduo mas um grupo, inserem-se nesta fase. Embora a discriminação possa ser legal a nível interno, ela insere-se no domínio do direito internacional. A discriminação continua a ser ilegal de acordo com as convenções da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da ONU, bem como com as convenções regionais (e compromissos da OSCE). Após esgotarem os canais nacionais, as vítimas apenas podem confiar na comunidade internacional para obterem ajuda. As situações de discriminação incluem limitações no acesso a empregos (incluindo cargos públicos), a recusa em prestar ajuda de emergência se os beneficiários não pertencerem a uma determinada religião, a incapacidade de comprar ou reabilitar bens, de viver num determinado bairro ou de exibir símbolos de fé. Por exemplo, limitações durante a pandemia de COVID-19, por vezes fechando templos mas deixando lojas abertas, pareciam ser aplicadas de uma forma desproporcionada e discriminatória contra grupos religiosos.
c. Perseguição:
Esta fase acontece após a discriminação e habitualmente inclui “crimes de ódio”. Os actos de perseguição e crimes de ódio são praticados por um perpetrador tendencioso, que pode ou não conhecer a identidade religiosa da vítima. Os actos de perseguição e crimes de ódio são tipificados ao abrigo do direito penal nacional e/ou do direito internacional. Habitualmente, a perseguição e a discriminação coexistem e uma baseia-se na outra. Contudo, a perseguição, por exemplo por parte de um grupo terrorista local, pode existir num país sem que esteja presente a discriminação promovida pelo Estado. A perseguição pode ser um programa ou uma campanha activa para exterminar, expulsar ou subjugar pessoas com base no facto de serem membros de um grupo religioso. Isto acontece por exemplo em África, onde os agricultores, que podem ser cristãos, são sistematicamente atacados por pastores, que podem ser muçulmanos, sob o pretexto de um efeito de mudanças climáticas. Os actos de violência (muitas vezes alimentados pelo discurso público e pelo pensamento de grupo) podem ser perpetrados por indivíduos isolados. A perseguição não precisa de ser sistemática nem de ocorrer segundo uma estratégia.
Tanto os actores estatais como os não estatais podem perseguir um dado grupo e esse grupo não pode recorrer à lei estatal. É pouco provável que os actores privados que cometem crimes de ódio contra um grupo sejam punidos. As vítimas são abusadas legalmente, espoliadas e, por vezes, assassinadas. A perseguição é identificada e é verificável através de testemunhos de vítimas, relatos da comunicação social, relatórios do Governo e de ONG ou através de associações locais, mas esta verificação é frequentemente impedida pela continuação da violência, e pode levar vários anos a ser alcançada.
É frequente a violência acompanhar a perseguição. A violência transforma estes actos em crimes de ódio. Os indivíduos pertencentes a grupos minoritários podem ser sujeitos a assassínio, expropriação e destruição de bens, roubo, deportação, exílio, conversão forçada, casamento forçado, acusações de blasfémia, etc. Estes actos ocorrem “legalmente” de acordo com as leis nacionais. Em casos extremos, a “perseguição” pode transformar-se em genocídio, particularmente evidente através da frequência e crueldade dos ataques.
Em países onde o Estado de direito funciona (como na maioria das democracias ocidentais), os tribunais podem tratar de casos de perseguição como crimes de ódio. Em muitos países, contudo, não há recurso à lei em relação à intolerância nem a algumas formas de crimes de ódio, e a perseguição pode ser difícil de provar diante de um tribunal. Os crimes de ódio, onde deve ser encontrado um claro preconceito religioso, podem seguir a "normalização" das mensagens de intolerância e discriminação que se instala. Estes crimes são frequentemente perpetrados por actores privados, não estatais. A intolerância e a discriminação, porém, raramente são contempladas na lei penal aplicável, e são perpetradas tanto por actores públicos como privados.
d. Genocídio:
É a forma derradeira de perseguição, onde apenas o direito internacional parece capaz de intervir. O genocídio é constituído por “actos cometidos com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, segundo o Pacto da ONU para a Prevenção e Repressão do Genocídio, adoptado a 9 de Dezembro de 1948 (http://www.ohchr.org/EN/ProfessionalInterest/Pages/CrimeOfGenocide.aspx). Não é necessário estar-se morto para se ser considerado vítima de genocídio, pois os actos em questão incluem:
- Assassinar membros do grupo;
- Causar graves danos físicos ou mentais a membros do grupo;
- Infligir deliberadamente ao grupo condições de vida destinadas a provocar a sua destruição física no todo ou em parte;
- Impor medidas destinadas a prevenir nascimentos dentro do grupo;
- Transferir à força crianças do grupo para outro grupo.
Além disso, não só os autores dos crimes são responsabilizados por esta convenção, como também são responsabilizados aqueles que conspiram, incitam a cometê-lo ou são cúmplices com a sua realização. Depois de o Parlamento Europeu ter aprovado uma resolução que considerou como genocídio os actos do Daesh contra cristãos e yazidis (4 de Fevereiro de 2016), muitos outros países seguiram o exemplo, incluindo Portugal. Ao criar um mecanismo para colocar o Daesh perante a justiça (Res.2379), a 21 de Setembro de 2017, a ONU também procura definir se ocorreu genocídio. http://www.un.org/en/genocideprevention/genocide.html
É, no entanto, notável como os tiranos – representantes estatais ou não estatais – visam controlar a demografia religiosa das pessoas que querem subjugar e, por isso, recorrem mais frequentemente às "medidas" descritas no ponto 4 dos actos de genocídio. O rapto e a escravização sexual de mulheres e raparigas pertencentes ao grupo indesejável é uma táctica mais frequentemente utilizada por aqueles cujo objectivo final é a eliminação (genocídio) desse grupo.
Autores de crimes de ‘Intolerância’, ‘Discriminação’, ‘Perseguição’ e ‘Genocídio’:
Organizações actuais como o Daesh, a Al-Qaeda, o Boko Haram ou os cartéis de tráfico de drogas e seres humanos já não estão sujeitas à definição tradicional de actores estatais vs. actores não estatais. Nos países ou regiões onde o Estado já não tem controlo (e onde nalguns casos o Estado se torna ele próprio vítima) e onde as ‘leis’ de facto do grupo no poder violam os direitos fundamentais, esse grupo é responsabilizado apenas perante a comunidade internacional. Veja-se, por exemplo, o caso dos talibãs do Afeganistão, que eram um grupo terrorista e que, desde 2021, controlam todo o país e estão a eliminar todos os direitos fundamentais e a eliminar todas as aparências de dignidade humana entre a população. Novos tipos de agressores, por vezes em coordenação com outros, a fim de discriminar ou perseguir uma comunidade religiosa concorrente, incluem a promoção de uma noção de supremacia ligada a um determinado grupo étnico-religioso, ao qual são concedidos privilégios económicos e políticos. Os grupos criminosos organizados também visam frequentemente os líderes religiosos e o seu trabalho, com a intenção de os fazer abandonar a população vulnerável que servem.
Nos termos deste Relatório, distinguimos os seguintes tipos de agressores:
- Governos autoritários a qualquer nível (federal, regional ou municipal).
- Extremistas islâmicos (incluindo líderes religiosos violentos, multidões que se apoderam de terras, grupos religiosos supremacistas e ramos locais de grupos como os talibãs no Paquistão e no Afeganistão, o Boko Haram na Nigéria, etc.).
- Os nacionalistas étnico-religiosos, em que uma ideologia se liga a uma religião maioritária e procura um poder político mais vasto, recorrendo frequentemente a procedimentos quase democráticos para dar o estatuto de supremacia aos membros de um determinado grupo étnico e religioso, deixando os outros de fora de certos privilégios, transformando-os efectivamente em cidadãos de segunda classe (principalmente no Sudeste Asiático).
- Organizações criminosas ou terroristas multinacionais (como o Daesh, a Al-Qaeda, o Al-Shabab, o Boko Haram, os cartéis do tráfico, etc.)
Tendências ao longo do período abrangido pelo Relatório e perspectivas para os próximos dois anos:
Na nossa experiência, dois anos é um período significativo para observar os efeitos das mudanças introduzidas quer pelo Estado quer de facto por grupos não governamentais. Introduzimos um novo nível de categorização, a categoria "sob observação". Países onde foram observados novos factores de preocupação emergentes, com potencial para causar uma ruptura fundamental na liberdade religiosa. Estes incluem medidas legais contra aspectos da liberdade religiosa, aumento dos casos de crimes de ódio e violência ocasional com motivação religiosa. A estimativa das perspectivas baseia-se nos incidentes citados no relatório do país e noutras informações obtidas pelo autor.
Exemplo de grelha de categorização (para usar como guia)
- Em qualquer caso, o incidente deve ter um claro preconceito religioso[i] e não ser o efeito de insegurança geral.
- Os "crimes de ódio" ocorrem em todas as categorias. São definidos como ataques físicos contra pessoas e bens.
- A categoria "sob observação" é determinada pelo número de incidentes incluídos em duas ou mais categorias, mas ainda insuficiente para atribuir o país a uma única categoria.
| Categoria | (lista indicativa, uma vez que estes actos são os mais frequentes) | Sim | Frequência aumentou? | Não |
A | Intolerância |
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1 |
| Ameaças |
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2 |
| Discurso de ódio, também com incitação à violência |
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3 |
| Intimidação |
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4 |
| Vandalismo |
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| TOTAL A |
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B | Discriminação (directa e indirecta)[ii] |
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1 |
| Religião oficial imposta |
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2 |
| Não há conversão (consequência da religião oficial imposta) |
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3 |
| Acusação de blasfémia possível |
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4 |
| Proibição de culto fora dos templos |
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5 |
| Sem acesso a bens ou propriedades (nem para reparar ou manter) |
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6 |
| Sem protecção/segurança de bens ou propriedades |
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7 |
| Sem acesso a certos empregos |
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8 |
| Sem acesso a cargos públicos |
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9 |
| Sem acesso a financiamento |
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10 |
| Sem acesso a certo tipo/nível de educação |
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11 |
| Sem exibir símbolos religiosos |
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12 |
| Sem direito a nomear membros do clero |
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13 |
| Sem observância de feriados religiosos |
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14 |
| Sem evangelização, sem materiais disponíveis |
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15 |
| Sem comunicação com outros grupos religiosos nacionais ou internacionais |
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16 |
| Sem direito a ter meios de comunicação social próprios |
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17 |
| Sem direito a estabelecer e fundar instituições caritativas e humanitárias |
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18 |
| Sem direito a objecção de consciência e a “adaptação razoável” de práticas religiosas no local de trabalho e disponibilização de serviços religiosos |
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| TOTAL B |
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C | Perseguição | Todos os crimes contra a humanidade enumerados no artigo 7.º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional[iii], incluindo: |
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1 |
| Assassínio |
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2 |
| Extermínio (assassínio em massa) |
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3 |
| Escravatura |
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4 |
| Deportação ou transferência forçada de população |
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5 |
| Prisão ou outra privação grave da liberdade física |
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6 |
| Tortura, agressão física, mutilação, agressão corporal, amputação |
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7 |
| Violação, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência sexual de gravidade comparável |
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8 |
| Desaparecimento forçado |
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9 |
| Expropriação de edifícios, bens, fundos, mesmo que "legal" |
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10 |
| Ocupação de propriedade |
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11 |
| Liberdade de expressão severamente restringida, sentenças/punições severas |
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12 |
| Intimidação, ameaças |
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13 |
| Danos materiais (também representativos do grupo religioso, não apenas individuais) |
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14 |
| Apartheid |
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15 |
| Qualquer outro crime (incluindo actos desumanos que causem intencionalmente grande sofrimento ou ferimentos graves) |
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| TOTAL C |
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D | Genocídio |
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1 |
| Assassínio de membros do grupo |
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2 |
| Danos corporais ou mentais graves (incluindo violência sexual) |
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3 |
| Imposição deliberada ao grupo de condições de vida destinadas a provocar a sua destruição física, total ou parcial |
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4 |
| Imposição de medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo, incluindo a violência sexual |
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5 |
| Transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo |
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| TOTAL D |
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41 | TOTAL A+B+C+D (X/41) |
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[i] O preconceito religioso pode incluir manifestações menos óbvias, tais como:
- Estereótipos negativos ou ser vítima de multiculturalismo/política de identidade (ou seja, as autoridades públicas fazem tudo o que podem para acolher outras religiões, mas não oferecem os mesmos benefícios aos cristãos). Pode também incluir preconceitos por omissão (por exemplo, censurar/secularizar feriados como a Páscoa e o Natal).
- Falta de tolerância ou de adaptação devido à iliteracia religiosa. Por exemplo, estudantes universitários afastados dos seus cursos por expressarem crenças cristãs nas redes sociais ou funcionários punidos/despedidos por manifestarem as suas crenças ou por se recusarem a agir de acordo com aspectos que possam ofender a sua fé (nomeadamente, utilização obrigatória de pronomes transgénero).
- Cultura do cancelamento devido às crenças da pessoa/organização que está a ser "cancelada".
- Recusa em respeitar a objecção de consciência (por exemplo, exigir que os farmacêuticos prescrevam abortivos).
- Preconceito burocrático: não concessão de vistos, não aluguer de salas para eventos, marginalização pelas autoridades públicas).
- Intolerância por omissão: recusa ou falha do governo em identificar ou abordar questões que marginalizam os Cristãos.
[ii] Discriminação indirecta: políticas, critérios ou práticas que colocam os Cristãos em desvantagem em relação a outros segmentos da população. Por exemplo, obrigar as agências de adopção católicas a atender casais do mesmo sexo ou legislar sobre uma educação moralmente questionável sem que os pais cristãos tenham o direito de optar pelos seus filhos.
[iii] Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Estabelecido em Roma a 17 de Julho de 1998, em vigor desde 1 de Julho de 2002, Nações Unidas, Série de Tratados, vol. 2187, n.º 38544, Depositário: Secretário-Geral das Nações Unidas, http://treaties.un.org (Acedido a 15 de Março de 2022, https://www.icc-cpi.int/resource-library/documents/rs-eng.pdf).