ANÁLISE GLOBAL
Dra. Marcela Szymanski
O período em análise (Janeiro de 2021 a Dezembro de 2022) foi dominado pela COVID-19, uma emergência sanitária mundial sem precedentes que deu origem a programas internacionais de resposta a crises igualmente sem paralelo, nomeadamente confinamentos e outras restrições rigorosas e criação de vacinas. Em 2022, a guerra na Ucrânia e as suas repercussões políticas também chamaram a atenção do mundo. Igualmente de grande importância foi a crise económica, nomeadamente a rápida inflação, e os receios de um conflito armado internacional no Mar do Sul da China. Tudo isto e muito mais desviou a atenção das questões relacionadas com a liberdade religiosa, numa altura em que se assiste a um aumento das violações deste direito humano vital em todo o mundo. Esta análise pretende mostrar que o período da COVID-19 foi especialmente catastrófico para uma série de minorias religiosas que foram alvo de impunidade enquanto a atenção internacional estava noutro lado. Ao contrário das edições anteriores do relatório, em que esta secção se centrava na categorização geográfica, a maior parte da análise que se segue abordará, em vez disso, temas e tendências predominantes. A metodologia do Relatório da Liberdade Religiosa no Mundo da Fundação AIS mede as violações da Liberdade de Religião e Crença de acordo com uma escala móvel de gravidade. Começando pelas manifestações de intolerância, estas passam depois o limiar da "discriminação", pelo que a lei se aplica de forma diferente aos indivíduos e comunidades religiosas que enfrentam estes problemas. As formas mais graves de intolerância são consideradas "perseguição" em situações em que os actores estatais e não estatais oprimem e perseguem abertamente e com impunidade.
A investigação para este relatório de 2023 revela que existem 61 países onde a discriminação e a perseguição são claramente evidentes, onde o direito fundamental à liberdade de pensamento, de consciência e de religião está a ser pressionado ou restringido através de novas leis. Como consequência, os cidadãos são perseguidos pelo seu próprio Governo ou são assassinados, muitas vezes com pouca ou nenhuma reacção da comunidade internacional (ver mapa).
Nesta edição, o relatório identifica tendências que indicam a ameaça crescente que os autocratas representam para as minorias religiosas. Os autocratas são aqui definidos como governantes que exercem o seu poder, o seu uso da força e dos recursos económicos com poucos ou nenhuns limites. De acordo com L. Reardon (2019), "quer a autocracia seja composta por um monarca absoluto ou por um líder supremo autoritário, religioso, militar, fascista ou comunista, o autocrata reforça a legitimidade ao controlar os centros de poder concorrentes dentro do Estado".[1] Uma comunidade religiosa é frequentemente um desses centros de poder, devido à sua "capacidade de mobilizar os cidadãos",[2] que o autocrata procura controlar.
Durante o período abrangido pelo relatório, surgiram alguns novos autocratas e os existentes consolidaram a sua posição. Em ambos os casos, reprimiram os líderes religiosos e os grupos religiosos, receando a sua influência e o seu estatuto na comunidade. Noutros casos, tentaram agregá-los. Os autocratas têm-se esforçado por equilibrar os seus esforços, frequentemente violentos e opressivos, para eliminar toda a oposição, incluindo a dos grupos religiosos, com a necessidade de apresentar uma fachada humana e aceitável à comunidade mundial. Os desafios económicos relacionados com a pandemia, exacerbados pela escassez de energia causada pela guerra na Ucrânia e os interesses comerciais internacionais concorrentes resultaram num pragmatismo cínico – uma cegueira e surdez selectivas entre os líderes ocidentais. Estes governos, que anteriormente se orgulhavam de uma "ordem mundial baseada em regras", deixaram de respeitar as normas internacionalmente reconhecidas em termos de direitos humanos.
Incluídos na categoria Vermelho (perseguição) deste relatório, estão 28 países com um total combinado de cerca de 4,03 mil milhões de pessoas, o que equivale a 51,6% da população mundial. De realçar os dois países mais populosos, a China e a Índia, que se encontram entre os piores violadores da liberdade religiosa. Os autocratas, em diferentes níveis de Governo, combinam repressão severa com perseguição branda. Entre os exemplos contam-se o controlo do acesso ao emprego, à educação e aos serviços de saúde, a instalação de sistemas de vigilância em massa, a imposição de obstáculos financeiros e eleitorais, e a incapacidade de impor a lei e a ordem quando as comunidades religiosas são atacadas por turbas locais ou por terroristas. Os detentores do poder, tanto os actores estatais como os não estatais (terroristas), aplicam uma estratégia com o mesmo objectivo final: eliminar a autoridade concorrente detida pela comunidade religiosa indesejável. Neste caso, observamos uma nova tendência no que respeita ao tipo de agressor (ver abaixo em "Agressores"), com mais Estados a perseguirem os seus próprios cidadãos. Por último, vários países na categoria de perseguição – em especial os governos que aderem e defendem uma religião maioritária – não só manipulam a religiosidade dos seus cidadãos, como também inflacionam o seu número para consolidar e alargar o seu domínio político.
Na categoria Laranja (discriminação), o relatório constata que se registaram mudanças consideráveis durante o período em análise. Entre os 33 países desta categoria estão três recém-chegados – Haiti, Israel e Emirados Árabes Unidos. A deterioração das condições de liberdade religiosa significou que a Nicarágua e o Sudão – dois países marcados a Laranja no relatório de 2021 – passaram para a categoria Vermelho. Novas leis estão a ser aplicadas, legalizando efectivamente a violação da liberdade de pensamento, de consciência e de religião de grupos específicos. Em 2021, havia sinais de esperança entre os países do Médio Oriente e da Ásia, onde parecia estar a desenvolver-se uma compreensão dos direitos de liberdade religiosa, mas essas esperanças foram frustradas à medida que as leis e as penas existentes se tornaram mais severas (por exemplo: "leis anti-conversão"). Entretanto, os sistemas educativos registaram poucas melhorias no sentido de reduzir a discriminação dos grupos religiosos minoritários (ver Informação de Fundo - Manuais escolares e o futuro da liberdade religiosa).
A classificação na categoria Laranja é também indicativa de que os governantes autoritários não só aplicam leis para restringir a liberdade religiosa, como também não proporcionam qualquer protecção ou justiça às vítimas de ataques físicos.
Por último, existe a categoria “Sob observação”. O relatório de 2021 salientou a necessidade de permanecer vigilante, uma vez que os direitos humanos desaparecem muitas vezes gradualmente, em pequenos passos, sem que ninguém se aperceba até ser demasiado tarde. Os princípios da liberdade religiosa vulneráveis à erosão progressiva incluem: "a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar a sua religião ou crença, individualmente ou em comunidade com outros, em público ou em privado, através do ensino, da prática, do culto e da observância".[3] Cada um destes aspectos da liberdade religiosa é fundamental e indispensável. O enfraquecimento de qualquer um deles pode ser visto como uma ameaça ao direito à liberdade religiosa como um todo. As provas que revelam o declínio do gozo deste direito fundamental, à medida que os Estados abdicam da sua responsabilidade de proteger todos os cidadãos, levaram a que o país em questão fosse colocado "Sob observação". Esta é uma categoria em que os relatórios dos países indicam não só uma evolução gradual para as piores violações, mas também revelam incidentes que se enquadram nas várias classificações de intolerância, discriminação e, por vezes, até perseguição. Os exemplos incluem ataques isolados, até mesmo assassinatos, com clara tendência religiosa, e a destruição ou vandalização de locais de culto. Dois países – Haiti e Israel – colocados "Sob observação" em 2021 desceram à categoria Laranja. Entretanto, oito países foram acrescentados a esta categoria: Argentina, Guiné-Bissau, Benim, Burundi, Essuatíni (Suazilândia), Gana, Indonésia e Madagáscar.
Autocratas determinados e confiantes
É provável que os autocratas que estão na origem das piores violações da liberdade religiosa pertençam a uma ou várias categorias de agressores: governos autoritários, extremistas islâmicos ou nacionalistas étnico-religiosos. Outro tipo de agressor com interesse em eliminar os líderes religiosos que desafiam a sua autoridade são os grupos criminosos organizados. Em várias partes do mundo, estes são os governantes de facto, tendo acesso a mais dinheiro e a melhor armamento do que o Estado. Dão assim a impressão de que o Governo abdicou da sua responsabilidade de proteger todos os cidadãos, ou então que as autoridades estão de facto a cooperar com os criminosos. Proliferam sobretudo em Estados falhados e semi-falhados, como a Somália, a Líbia, o Afeganistão, o Haiti e a Síria.
A vantagem que os autocratas estatais (excepto as ditaduras absolutas) têm sobre os grupos criminosos organizados é que, na maioria dos casos, podem ocultar as suas violações dos direitos humanos sob um manto democrático que aponta para as eleições, seja qual for a sua forma, que os levaram ao poder. No entanto, para os autocratas que manipulam o grupo religioso maioritário (ver relatórios nacionais sobre o Paquistão, a Índia, o Sri Lanka e Mianmar [Birmânia]), o problema é a necessidade de agradar a esta base eleitoral e, ao mesmo tempo, manter uma fachada "democrática" perante os parceiros internacionais (ver Caso de Estudo da Nicarágua).
Outra forma aparentemente democrática de asfixiar uma comunidade religiosa minoritária é aprovar leis que suprimem as suas fontes de financiamento. Por exemplo, a "Lei de Regulamentação de Moeda Estrangeira" da Índia – o complicado conjunto de regras que limita o acesso ao financiamento estrangeiro para todos os grupos locais (religiosos e não religiosos) dependentes de ajuda externa – levou à suspensão dos serviços sociais prestados por organizações religiosas às populações mais pobres.
A nossa edição de 2021 referiu-se à "perseguição educada", o termo introduzido pelo Papa Francisco para descrever leis, predominantemente no Ocidente, que, sob o pretexto da cultura e do progresso, restringem os direitos fundamentais dos indivíduos, particularmente o direito à objecção de consciência. Em muitos países, este conceito tornou-se profético onde a intolerância se transformou em discriminação – quando foram introduzidas leis que tornam "legal" a privação dos direitos fundamentais dos cidadãos. Os profissionais de saúde são privados do direito à liberdade de consciência quando são obrigados, sob a ameaça de perderem os seus empregos, a participar em procedimentos como a eutanásia ou o aborto tardio, ou quando alguém pode ser preso por ficar em silêncio e rezar dentro da zona de protecção de uma clínica de aborto (ver Análise Regional da OSCE).
A partir de um fenómeno cultural recente – uma onda crescente de novas normas e conceitos antropológicos –, um novo desafio à liberdade de pensamento, consciência e religião é a "linguagem forçada". As autoridades, incluindo os tribunais, começaram a introduzir novas definições de identidade pessoal, em que se espera de todos os cidadãos não só que aceitem publicamente normas que possam considerar contrárias à sua consciência, mas também que sejam obrigados a utilizar as novas definições, arriscando-se a ser punidos por discurso de ódio se não as respeitarem. O próprio discurso enquadrado torna-se um meio de recusar a objecção de consciência (ver Análise Regional da América Latina e Informação de Fundo - Linguagem Forçada).
O caso do ex-ministro do Interior da Finlândia, Païvi Rasanen, destacado nesta publicação (ver Caso de Estudo da Finlândia), revela outro desafio à definição vaga de discurso de ódio, a censura. Em Abril de 2020, o Estado apresentou acusações contra Païvi Rasanen, com efeitos retroactivos, por ter partilhado uma publicação de 2004 sobre o casamento que citava a Bíblia. A objecção de consciência e a liberdade de pensamento, incluindo por motivos religiosos, foram violadas ou recusadas.
Inventar minorias
"Ataques às minorias" é uma expressão frequentemente repetida, mas subsistem dúvidas sobre o que significa exactamente esta expressão. Em algumas culturas, o estatuto de minoria traz certos privilégios e é, por isso, positivo, mas para outras esta designação é enganadora, parecendo ignorar a força numérica das comunidades religiosas em questão, bem como a sua influência histórica e cultural mais vasta na sociedade e, de facto, o seu papel proeminente nas escolas e noutros apoios sociais. No entanto, o que é mais preocupante são as provas que revelam que uma minoria numérica, económica ou política pode ser "inventada", empurrando as comunidades para a irrelevância através da aplicação de medidas violentas e não violentas, quer para benefício político e/ou económico do grupo maioritário.
Os números são importantes. A 25 de Abril de 2023, o jornal britânico Financial Times salientou a importância da demografia dos grupos religiosos na Índia e na Nigéria, afirmando o seu valor no que diz respeito à obtenção e manutenção do poder. O artigo afirmava que "os números da população determinam, em grande medida, a representação política e a parte do dinheiro nacional que é distribuída por cada região". O jornal refere que muitos governos adiam os inquéritos à população durante décadas, com receio de encontrarem mudanças desfavoráveis entre os grupos que apoiam a sua manutenção no poder. A reportagem prossegue descrevendo "líderes políticos, religiosos e étnicos locais acusados de inflacionar os números".[4]
Os meios através dos quais a demografia religiosa pode ser manipulada são inúmeros, incluindo consequências aparentemente positivas se uma determinada religião for adoptada ou mantida. Por exemplo, na Ásia, no Médio Oriente e no Norte de África, os relatórios dos países revelam que, ao concederem benefícios materiais exclusivamente a uma comunidade religiosa, as autoridades procuram manter a dimensão numérica dessa comunidade para obterem ganhos políticos. Ao nível mais básico, na Malásia, é costume registar todos os recém-nascidos como pertencendo à religião maioritária, cabendo aos pais contestá-lo mais tarde. No Paquistão, o acesso às forças armadas e ao Governo, às equipas desportivas nacionais e aos empregos mais bem pagos está, por imposição de novas leis, exclusivamente aberto ao grupo religioso maioritário. Na Índia e no Líbano, várias "leis de estatuto pessoal" e regulamentos de "escalonamento de castas" consistem em benefícios económicos que são oferecidos aos que pertencem à religião maioritária e a nenhuma outra (ver Caso de Estudo - Leis que controlam a demografia religiosa).
Exemplos de pressão negativa incluem a proliferação de leis que tornam crime a mudança de religião. A expansão das chamadas leis anti-conversão em toda a Ásia, que prevêem multas e penas de prisão tanto para o convertido como para o guia espiritual, destina-se a impedir que os grupos religiosos minoritários convidem membros interessados do grupo religioso maioritário a converterem-se. No Médio Oriente, a punição por apostasia pode ir até à pena de morte. Por outro lado, a "reconversão" da comunidade religiosa minoritária é encorajada com benefícios materiais para aqueles que se arrependem e regressam à fé maioritária (ver Análise Regional da Ásia e do Médio Oriente).
Além disso, vários países impõem às minorias religiosas obstáculos à participação na vida política do país. Estes incluem medidas que vão desde a redução da sua capacidade de voto até à proibição total[5] da ocupação de cargos públicos por membros de minorias religiosas (ver Caso de Estudo - Líbano: O êxodo cristão, e os relatórios nacionais sobre o Afeganistão, a Argélia, o Irão, a Malásia, as Maldivas, o Paquistão e a Arábia Saudita).
Por último, a forma mais criminosa de manipulação demográfica ocorre quando um grupo religioso é forçado a assumir um estatuto minoritário na sequência de discriminação constante ou de atrocidades violentas. Por exemplo, no Iraque e na Síria, a população cristã tem sido vítima de violência direccionada e repetida, o que tem estimulado a emigração e, assim, reduzido à força uma comunidade religiosa minoritária, ao ponto de pôr em causa a sua sobrevivência a longo prazo.
Em termos de migração motivada pela violência extremista, está em curso uma repetição desta situação em algumas partes de África. Os relatórios dos países indicam que os jihadistas filiados na Al-Qaeda e no autoproclamado Estado Islâmico estão a atacar zonas rurais relativamente indefesas para obter ganhos territoriais, mas também, como na República Democrática do Congo e em Moçambique, a concentrar-se em zonas com riqueza mineral. Embora a violência islamista seja sobretudo indiscriminada, atacando muçulmanos e cristãos, desde o nosso último relatório que os jihadistas têm cada vez mais como alvo os Cristãos(ver Caso de Estudo - Apedrejada até à morte por causa de uma mensagem de Whatsapp). As agressões têm lugar durante o culto cristão e os assassínios podem ser particularmente horríveis. Tal como foi referido pelo clero do estado de Benue, na Nigéria, por vezes as vítimas são primeiro alvejadas e depois os seus rostos são cortados com catanas ou outras armas "para que Deus não as reconheça".[6] Os terroristas também atacam sacerdotes ou religiosas, raptando-os ou matando-os, e incendeiam capelas e escolas. Um único ataque deste tipo pode expulsar toda a população de uma aldeia, deixando-a sem casa e sem recursos. As pessoas perdem as suas fontes de rendimento, abandonando os seus campos e lojas, e os seus filhos são privados de educação e de cuidados de saúde. O resultado é o esvaziamento de uma região da sua presença religiosa histórica e o aparecimento de uma nova minoria económica e política que carece de todos os apoios básicos (ver a Informação de Fundo - Nigéria: Uma democracia falhada).
Outra forma de violência religiosa está a ocorrer na América Latina e noutras regiões em desenvolvimento: a identificação das religiões tradicionais como inimigas das políticas pró-aborto e de outras políticas que afectam as mulheres. Manifestações cada vez mais violentas no México, Chile, Colômbia, Argentina, bem como em vários países do Ocidente, por exemplo as organizadas para assinalar o "Dia da Mulher" da ONU (8 de Março), testemunharam o ataque a edifícios religiosos e fiéis. As pessoas foram deixadas sem ajuda pela polícia e por outros serviços de emergência, enquanto tentavam defender as suas igrejas, templos e outros edifícios religiosos com grande risco pessoal. De igual modo, após os actos de violência, as consequências jurídicas para os agressores foram poucas ou nenhumas, o que lhes conferiu um certo sentimento de impunidade (ver Análise Regional da OSCE - América Latina). Não obstante estas e outras dificuldades descritas no relatório sobre a América Latina, a região é também um farol de esperança, como se pode ver nas renovadas expressões públicas de fé, em que milhões de pessoas se uniram em alegres celebrações em todo o continente, na sequência do levantamento das restrições sanitárias impostas pela COVID-19 (ver Informação de Fundo - Celebrações religiosas e o regresso da alegria).
Paradoxalmente, o apoio vocal em defesa dos direitos das mulheres cala-se perante o rapto, a conversão forçada e a escravização sexual de mulheres e raparigas de minorias religiosas. Eufemisticamente designados como "casamentos forçados", estes crimes – rapto, violação e conversão forçada de raparigas hindus e cristãs, principalmente de minorias, muitas vezes menores de idade – são, pelo menos em parte, motivados pelo desejo de limitar o crescimento das comunidades religiosas em questão, reduzindo o número de bebés nascidos nessa comunidade religiosa. Em última análise, se for levada a cabo em grande escala durante um longo período, esta actividade criminosa pode contribuir para o desaparecimento do grupo. Como tal, pode ser classificada como um "acto de genocídio", tal como definido na Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio[7] (ver relatório do Paquistão e Análise Regional de África).
Nenhum país ocidental pode afirmar com veracidade que não tem conhecimento dos abusos que ocorrem na Península Arábica, na China, no Paquistão e na Nigéria. Com o Ocidente a olhar para o outro lado, muitas vezes motivado pela necessidade de garantir o fornecimento de recursos naturais e energéticos, os agressores tornam-se mais assertivos e tornam a legislação local mais restritiva. Desta forma, a impunidade é tacitamente concedida aos agressores pela "comunidade internacional". O Paquistão pode ser novamente citado como um caso de estudo em que a lei da blasfémia, recentemente alargada, abrange também os insultos à família do Profeta, ou o Currículo Nacional Único Islâmico obrigatório para todas as escolas, contribuindo para atitudes discriminatórias em relação às minorias religiosas (ver Análise Regional do Médio Oriente, Ásia e África). Apesar disso, registam-se alguns desenvolvimentos positivos no Ocidente, como a nova apetência para aplicar sanções específicas e pessoais a infractores individuais e não a países inteiros, referidas em alguns países como sanções de "tipo Magnitsky".
Um importante sinal de esperança é o facto de, à medida que mais pessoas no mundo se identificam como religiosas[8], o ímpeto para desenvolver o diálogo inter-religioso está a aumentar. Não só o Papa Francisco continuou a sua aproximação aos diferentes ramos do Islão, como também a maior organização muçulmana, a Nadhlatul Ulama indonésia, iniciou um diálogo estruturado com os líderes religiosos hindus durante as reuniões do G20 de 2022, com um seguimento previsto para 2023 na Índia (ver Informação de Fundo - Para um diálogo mais abrangente entre Católicos e Muçulmanos).
[1] Reardon, L.C.,“Religious regulation in autocracies”, Oxford Research Encyclopedias, 28 de Agosto de 2019, https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190228637.013.794
[2] Reardon, L.C. op cit.
[3] “Universal Declaration of Human Rights”, artigo 18.º, Assembleia Geral das Nações Unidas, 10 de Dezembro de 1948, https://www.un.org/en/about-us/universal-declaration-of-human-rights
[4] Reed, J. e Adeoye, A. “India believed to be the most populous nation”, Financial Times, 25 de Abril de 2023, p. 2.
[5] "In 30 countries, heads of state must belong to a certain religion", Pew Research Center, 22 de Julho de 2014, https://www.pewresearch.org/short-reads/2014/07/22/in-30-countries-heads-of-state-must-belong-to-a-certain-religion/
[6] Entrevista com o Bispo Chikpa Wilfred Anagbe, Diocese de Makurdi, Estado de Benue, Nigéria, pela Ajuda à Igreja que Sofre, 2022.
[7] “Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide”, artigo 2.º, d., Assembleia Geral das Nações Unidas, 9 de Dezembro de 1948, https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/atrocity-crimes/Doc.1_Convention%20on%20the%20Prevention%20and%20Punishment%20of%20the%20Crime%20of%20Genocide.pdf
[8] "Key Findings From the Global Religious Futures Project", Pew Research Center, 21 de Dezembro de 2022, https://www.pewresearch.org/religion/2022/12/21/key-findings-from-the-global-religious-futures-project/