Disposições legais em relação à liberdade religiosa e aplicação efectiva
O Paquistão foi fundado como Estado secular na altura da partição da Índia em 1947. Só gradualmente é que o carácter muçulmano mais militante do país se afirmou, quando assumiu uma orientação distintamente islâmica sob a ditadura do General Zia ul-Haq, no poder de 1977 a 1988. Como consequência, a lei islâmica (sharia) passou a desempenhar um papel principal no sistema legal paquistanês.
A população é quase inteiramente muçulmana, na sua maioria sunita (entre 85 e 90%), 90% dos quais seguem a escola Anafi. Os xiitas são cerca de 10-15%.
As minorias religiosas incluem na sua maioria Cristãos, Hindus e Ahmadis. Cerca de 33 mil paquistaneses são Bahá’ís, 6.146 são Siques, e mais de 4.000 são Zoroastrianos (Parsis). Há também cerca de 200 judeus dispersos por todo o país, provavelmente prestes a desaparecer.
Os principais grupos étnicos são: Punjabis (44,7%), Pashtuns (Pathans) (15,4%), Sindhis (14,1%), Saraikis (8,4%), Muhajirs (7,6%), Balochis (3,6%), e outros (6,3%).
O Paquistão é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e ratificou o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (ICCPR) em 2010. Por conseguinte, é obrigado, nos termos do artigo 18.º, a proporcionar ao seu povo condições para que haja liberdade de pensamento, consciência e religião.
Embora o artigo 2.º da Constituição paquistanesa de 1973 (revista várias vezes, mais recentemente em 2015) declare que "o Islamismo é a religião estatal do Paquistão", aparentemente o mesmo documento garante também direitos às minorias religiosas. De facto, no seu preâmbulo, a Constituição diz que "devem ser tomadas disposições adequadas para que as minorias possam professar e praticar livremente as suas religiões e desenvolver as suas culturas". O artigo 20.º (alíneas a e b) reconhece que "cada cidadão terá o direito de professar, praticar e propagar a sua religião", e que cada denominação religiosa tem "o direito de estabelecer, manter e gerir as suas instituições religiosas".
O artigo 21.º diz que "nenhuma pessoa será obrigada a pagar qualquer imposto especial, cujo produto se destine à propagação ou manutenção de qualquer outra religião que não a sua". O artigo 22.º (n.º 1 e 3) contém "salvaguardas quanto às instituições de ensino no que diz respeito à religião", observando claramente que "nenhuma pessoa que frequente qualquer instituição de ensino será obrigada a receber instrução religiosa", e que "nenhuma comunidade ou denominação religiosa será impedida de disponibilizar instrução religiosa aos alunos dessa comunidade".
Contudo, este artigo não parece estar a ser plenamente aplicado, especialmente depois de o Governo do primeiro-ministro Imran Khan ter introduzido o chamado Currículo Nacional Único (SNC) para escolas primárias e madrassas em 2021. O SNC recebeu fortes críticas de especialistas em educação e defensores dos direitos humanos pela sua falta de inclusividade, ênfase excessiva no conteúdo religioso islâmico à custa das minorias religiosas e de uma pedagogia deficiente. De um modo mais geral, os programas e os manuais escolares promovem a intolerância em relação às minorias.
A Comissão dos Direitos Humanos do Paquistão manifestou preocupação sobre a perpetuação de uma visão singular da religião nas instituições educativas através do SNC, privando os jovens estudantes do direito a uma educação secular. Além disso, os estudantes de religiões minoritárias estão impedidos de estudar a sua própria religião, uma vez que nenhum dos livros escolares de educação religiosa exigidos estava pronto em 2021.
A situação a este respeito é ainda mais crítica no Punjab. Em Novembro de 2021, o Supremo Tribunal de Lahore decidiu que os juízes distritais deveriam realizar inspecções relativas ao ensino do Alcorão nas escolas de toda a província.
O artigo 41.º é outra característica discriminatória da Constituição paquistanesa quando afirma: "Uma pessoa não será qualificada para ser eleita como presidente, a menos que seja muçulmana". Além disso, o artigo 91.º (n.º 3) estipula também que o primeiro-ministro deve ser muçulmano. Nos termos do artigo 203.º E, o Tribunal Federal Islâmico tem o poder de invalidar qualquer lei contrária ao Islamismo e de sugerir alterações à lei.
No artigo 260.º (n.º 3) da Constituição é feita uma distinção entre muçulmanos e não muçulmanos, o que alimenta o preconceito religioso e alimenta atitudes discriminatórias em relação, por exemplo, à comunidade ahmadi, que é descrita como não muçulmana.
As chamadas leis da blasfémia – acrescentadas pelo general Zia-ul-Haq entre 1982 e 1986 ao Código Penal do Paquistão, nomeadamente as secções 295-B, 295-C, 298-A, 298-B, 298-C) – restringem severamente a liberdade religiosa. A violação do Alcorão e o insulto ao Profeta Maomé acarretam penas máximas de prisão perpétua e de morte, respectivamente. A complicar tudo isto, o conceito de "blasfémia" é bastante amplo, e é frequentemente abusado, com vários tipos de conduta punidos, incluindo a irreverência para com pessoas, objectos de culto, costumes e crenças.
Enquanto a protecção geral contra qualquer forma de ofensa e difamação contra todas as religiões é formalmente reconhecida, as secções 295-A, 295-B e 295-C e as secções 298-B e 298-C referem-se a condutas consideradas exclusivamente blasfémicas contra a religião islâmica. Uma vez que o sistema legal paquistanês se baseia não só no direito consuetudinário mas também na sharia, as regras em questão são aplicadas apenas a favor do Islamismo.
No total, apenas seis casos de blasfémia foram registados entre 1947, quando o Paquistão se tornou independente, e 1986, quando foi introduzida a última "lei sobre blasfémia". Por comparação, foram notificados 1.949 casos após a inclusão dos artigos 298-B e 298-C no Código Penal, de acordo com o Centro para a Justiça Social (CSJ) com sede em Lahore.
Além disso, de acordo com o CSJ, as leis sobre blasfémia afectam de forma desproporcionada as minorias religiosas. O maior número de casos (47,62%) envolve muçulmanos, seguidos dos ahmadis (32,99%), cristãos (14,42%), hindus (2,15%), enquanto em 2,82% dos casos a religião não pôde ser confirmada. Isto significa que mais de 49% dos casos de blasfémia afectam minorias que representam apenas 3,5% da população paquistanesa.
As minorias estão também representadas em excesso em assassinatos relacionados com blasfémia e outras formas de violência. Estas incluem o linchamento de Priyanka Kumara em Sialkot em 2021. Desde 1987, pelo menos 84 pessoas foram mortas extrajudicialmente, na sequência de alegações de blasfémia. Destas, 42 eram muçulmanos, 23 cristãos, 14 ahmadis, dois hindus, um budista, e duas pessoas eram de filiação religiosa desconhecida.
Outras alterações feitas pelo general Zia-ul-Haq foram as secções 298-B e 298-C do Código Penal do Paquistão. Estas disposições tornaram crime o facto de os ahmadis se chamarem a si próprios muçulmanos, empregarem nomes e denominações associados ao Profeta, utilizarem práticas muçulmanas no culto e propagarem a sua fé. De acordo com o site The Persecution of Ahmadis, de 1984 a 2019, 262 ahmadis foram mortos por causa da sua fé, 388 enfrentaram violência e 29 mesquitas ahmadi foram destruídas. Entre Julho de 2020 e Setembro de 2021, sete ahmadis foram assassinados, incluindo Tahir Naseem, de 57 anos. Um cidadão americano acusado de blasfémia, foi baleado num tribunal paquistanês enquanto aguardava julgamento. Pelo menos outros sete foram feridos no que pareciam ser tentativas de assassinato.
Em Maio de 2020, o Ministério dos Assuntos Religiosos e da Harmonia Inter-Religiosa anunciou que tinha restabelecido a Comissão Nacional para as Minorias. Uma das suas responsabilidades é assegurar que os locais de culto não muçulmanos sejam mantidos e estejam plenamente operacionais. Em Junho de 2014, na sequência do ataque à Igreja de Todos os Santos em Peshawar no ano anterior, o Supremo Tribunal do Paquistão mandatou o Governo federal paquistanês para criar uma comissão nacional para as minorias. As minorias religiosas não tinham qualquer organização para as representar a nível federal desde o assassinato, em 2011, de Shahbaz Bhatti, o primeiro e até agora único ministro federal para as minorias. Contudo, a comissão não foi criada pelo Parlamento, mas sim por um gabinete federal e, por conseguinte, não goza de autoridade constitucional.
Além disso, uma Lei de Protecção dos Direitos das Minorias, rejeitada pelo Senado em Setembro de 2020, não foi de novo inscrita na agenda legislativa. O Senador Hafiz Abdul Karim, membro da Comissão Permanente dos Assuntos Religiosos e da Harmonia Inter-Religiosa, estava entre os que se opunham à legislação proposta. Na sua opinião, deveria antes ser apresentado um projecto de lei para a protecção dos direitos dos Muçulmanos, porque "às minorias no Paquistão já foram concedidos vários direitos".
Tal como no passado, durante o período em análise, a assembleia provincial do Punjab aprovou por unanimidade várias resoluções regressivas a favor de legislação conservadora. Em 2021, aprovou uma resolução que exige que os gabinetes do Governo provincial exibam versículos do Alcorão e hadith. Em Outubro, aprovou igualmente uma resolução sobre a inclusão de um juramento referente à noção de Profetismo Final (khatm-i-nabuwat) nos documentos de casamento (nikah). A resolução sugeria que o certificado khatm-i-nabuwat fosse obrigatório para a noiva, o noivo, as suas testemunhas e os funcionários do casamento (nikahkhwan).
Tal como referido na secção de incidentes, os raptos, conversões forçadas e casamentos forçados continuam a afligir as minorias. Isto também é causado pela falta de protecção legal. A 13 de Outubro de 2021, uma comissão parlamentar rejeitou uma lei da "conversão forçada" depois de o Ministério dos Assuntos Religiosos se lhe ter oposto. Legisladores de comunidades minoritárias criticaram o voto negativo. De acordo com o projecto de lei, qualquer adulto não muçulmano que queira converter-se a outra religião deve requerer um certificado de conversão a um juiz de sessões adicionais. O projecto de lei também só permitiria a conversão após os 18 anos de idade. O então ministro dos Assuntos Religiosos, Noor-ul-Haq Qadri, disse que o Ministério não apoia uma restrição à conversão religiosa antes dos 18 anos, afirmando que os mais jovens devem ter o direito de escolher a sua religião.
O Paquistão ocupa o 6.º lugar no mundo em termos de casamento infantil (raparigas casadas antes dos 18 anos de idade). Até 71% das raparigas não têm qualquer palavra a dizer sobre quem e quando se casam. Estas foram as principais conclusões do Policy Brief on the Legal Framework of Child Marriage in Pakistan, assim como as publicadas em Outubro de 2022, no inquérito da Comissão Nacional dos Direitos da Criança (NCRC), conduzido em colaboração com a UNICEF do Paquistão.
Devido à falta de legislação relevante e à má aplicação das leis que existem, o número de jovens mulheres e raparigas hindus e cristãs raptadas, forçadas a converterem-se ao Islão e depois casadas com homens muçulmanos, continua a aumentar.
Sindh está entre as províncias com maior número de casos, e é a única província com uma lei que impede o casamento de menores, nomeadamente a Lei de Restrição ao Casamento de Menores de Sindh, de 2013. Graças a esta lei, que entrou em vigor em 2020, tem sido possível devolver algumas raparigas raptadas às suas famílias. A lei, contudo, ainda tem algumas falhas. Por exemplo, não tem poder para anular casamentos islâmicos, mesmo que o estatuto de menor de idade da noiva tenha sido estabelecido. Além disso, as raparigas não são frequentemente autorizadas a regressar à fé cristã, como foi o caso de Arzoo Raja, agora Arzoo Fátima, de 14 anos, que, depois de finalmente regressar a casa dos seus pais, foi forçada pelo tribunal a apresentar-se de três em três meses na esquadra da polícia para provar que não estava sob pressão para regressar à fé cristã.
A Comissão Nacional para a Justiça e a Paz do Paquistão está a desenvolver um programa para proteger as raparigas e as mulheres jovens das comunidades minoritárias no Paquistão. As recomendações incluem a reforma e a formação da polícia, a criação de linhas de apoio, a revisão do projecto de lei contra a conversão forçada, que foi rejeitado por uma comissão parlamentar em 2021, e a inclusão da "conversão forçada" no quadro jurídico nacional para facilitar a legislação.
Incidentes e episódios relevantes
O período em análise foi marcado por uma profunda crise económica e política que contribuiu para a demissão de Imran Khan a 10 de Abril de 2022. Khan, que estava em funções desde 18 de Agosto de 2018, tornou-se o primeiro primeiro-ministro do Paquistão a ser destituído por uma moção de censura parlamentar.
Algumas minorias, particularmente os cristãos liderados por advogados, começaram a organizar associações para a defesa dos seus direitos, tais como a Aliança das Minorias do Paquistão de Akmal Bhatti, que organiza comícios e recursos para os tribunais e legislaturas locais, procurando a igualdade de acesso à justiça.
Apesar de Khan ter prometido um Novo Paquistão (Naya Pakistan) no seu manifesto eleitoral, no qual os "direitos civis, sociais e religiosos das minorias" são garantidos, as minorias religiosas continuaram a ser fortemente discriminadas. Prova disso é o facto de, nos anúncios públicos de emprego para trabalhadores do saneamento, varredores de rua e funcionários de limpeza, a referência ao emprego indicar "reservado a não muçulmanos".
A discriminação contra as minorias assume várias formas. Por exemplo, os "planos anti-transgressão" implementados para reduzir os riscos de inundações tendem a ignorar as comunidades cristãs e hindus que, depois de perderem as suas casas, se queixam de atrasos ou negligência no recebimento de compensações governamentais.
Um outro problema que afligiu as minorias durante o período em análise foi a forte presença de grupos terroristas islâmicos. O Paquistão permaneceu nos 10 países mais afectados pelo terrorismo, de acordo com o Índice Global de Terrorismo (GTI), caindo do oitavo lugar para o décimo em 2020, mas com um ligeiro aumento (5%) nas mortes relacionadas com o terrorismo.
Quando os talibãs tomaram o poder no Afeganistão em Agosto de 2021, as actividades terroristas recomeçaram no Paquistão, onde o autoproclamado Estado Islâmico da Província de Khorasan (IS-KP) ganhou terreno. O núcleo original do IS-KP no Afeganistão incluía muitos antigos militantes talibãs paquistaneses insatisfeitos com a sua liderança. O IS-KP é responsável pelo ataque a uma mesquita xiita em Peshawar, em Março de 2022, que ceifou mais de 60 vidas.
A comunidade xiita do Paquistão considera que o ataque suicida de 4 de Março de 2022 foi o último de uma série de ataques à sua comunidade desde que os talibãs tomaram o Afeganistão em 2021 com o apoio do Governo paquistanês.
A violência anti-xiita tem aumentado desde o início da onda de islamização do país, na década de 1980, tendo a situação piorado nos últimos anos. Um incidente durante o período em análise ocorreu em 18 de Setembro de 2022, quando activistas islamistas radicais atacaram uma procissão xiita na província do Punjab, ferindo pelo menos 13 pessoas. De acordo com um responsável superior da polícia, surgiram tensões na zona entre o Tehreek-i-Labbaik Pakistan (TLP) e os activistas xiitas sobre o percurso da procissão, uma vez que os líderes locais do TLP não queriam que a procissão xiita passasse em frente da sua mesquita e madrassa.
De acordo com o Centro para a Justiça Social, o maior número de pessoas acusadas de blasfémia são xiitas, 140 em 208, ou seja, 70%, em 2020.
A 13 de Julho de 2021, peritos da ONU expressaram profunda preocupação pela falta de interesse nas violações dos direitos humanos perpetradas contra a Comunidade Ahmadi em todo o mundo, incluindo no Paquistão. Os ahmadi muçulmanos paquistaneses continuam a enfrentar duras perseguições oficiais e sociais.
Em 2021, pelo menos três ahmadis foram mortos em ataques separados com alvos específicos. A 11 de Fevereiro de 2021, um médico homeopata ahmadi, Abdul Qadir, de 65 anos, foi morto a tiro na sua clínica em Peshawar. A 9 de Novembro de 2021, Kamran Ahmad, de 40 anos, foi morto a tiro por um assaltante desconhecido em Peshawar. A 20 de Novembro de 2021, Tahir Ahmed, de 31 anos, foi morto a tiro após as orações de sexta-feira no Punjab. Em Agosto de 2022, Abdul Salam, de 33 anos de idade, pai de três filhos, regressava do campo quando um estudante, Hafiz Ali Raza, conhecido como Mulazim Husain, o atacou com uma faca.
A Comunidade Ahmadi relatou à polícia 49 incidentes de motivação religiosa, bem como a profanação de 121 sepulturas de ahmadis e 15 locais de culto por multidões.
Os ataques a lugares de culto hindus são também comuns. Na noite de 8 de Junho de 2022, cinco homens em motocicletas entraram no Templo Hindu do Korangi em Karachi, esmagaram taças de oferendas, atiraram pedras a um ídolo, e ameaçaram dois funcionários do templo.
Um ataque a 4 de Agosto de 2021 contra o Templo de Ganesh em Bhong, uma aldeia no Punjab, foi ainda pior. O templo foi gravemente danificado por uma multidão de cerca de 250 pessoas, depois de um rapaz hindu acusado de profanar uma madrassa local ter sido libertado sob fiança. Não só o templo foi vandalizado, como a maioria das famílias hindus da aldeia foi forçada a fugir das suas casas.
As acusações de blasfémia são frequentemente a causa de ataques contra minorias, mesmo antes de a polícia poder intervir. Foi o que aconteceu em Lahore, em 7 de Agosto de 2021, depois de um encontro de jovens realizado na Igreja NCP ter sido considerado sacrílego. Centenas de famílias cristãs fugiram das suas casas depois de terem visto uma grande multidão muçulmana a marchar em direcção à sua igreja e a gritar cânticos contra os Cristãos. Uma intervenção atempada da polícia salvou a igreja e evitou um potencial ataque às casas das pessoas.
A 9 de Novembro de 2021, Yasmeen Bibi, de 55 anos, e o seu filho Usman Masih, de 25 anos, foram mortos pelo seu vizinho muçulmano Hassan Shakoor Butt. Esta acção seguiu-se a uma disputa de longa data sobre a água do esgoto da casa dos cristãos que passava perto de um santuário muçulmano. Enquanto estavam a matá-los, os assassinos chamaram-lhes kaffir (uma palavra árabe depreciativa para infiéis) e gritaram Chura (um termo depreciativo que significa cristãos sujos, aplicado aos Dalits ou intocáveis no sistema de castas do Sul da Ásia).
A 30 de Janeiro de 2022, o Pe. William Siraj foi assassinado em Peshawar, depois de sair da Igreja de Todos os Santos de Shaheedain (mártires) após as orações dominicais.
Dois incidentes diferentes envolveram enfermeiras cristãs, que representam 60% a 70% do pessoal de enfermagem do Paquistão. A 30 de Janeiro de 2021, Tabitha Nazir Gill, uma cantora cristã evangélica de renome, que trabalhava como enfermeira em Karachi, foi acusada de blasfémia pelos seus colegas. Foi espancada e torturada pelo pessoal do hospital e pelos visitantes até à chegada dos agentes da polícia, que a levaram sob custódia. Inicialmente, os agentes libertaram Tabitha Gill sem apresentar queixa, mas, após pressão da multidão, a polícia registou uma acusação contra ela. A 9 de Abril de 2021, duas enfermeiras cristãs que trabalhavam no Hospital Civil de Faisalabad foram resgatadas de uma multidão enfurecida por polícias, depois de um médico as ter acusado de terem riscado um autocolante islâmico de um armário.
Um caso de homicídio ligado a acusações de blasfémia envolveu uma professora, Safoora Bibi, que, a 29 de Março de 2022, foi degolada por duas colegas e uma sobrinha destas, depois de a sobrinha ter dito que tinha visto Safoora Bibi ofender o Profeta Maomé num sonho.
O crime mais hediondo ligado à blasfémia foi, sem dúvida, o assassínio de Priyantha Kumara Diyawadana, um gestor do Sri Lanka, morto em Sialkot a 3 de Dezembro de 2021. Os extremistas acusaram Kumara de ter destruído cartazes nos quais estavam escritos versos do Alcorão. De acordo com outros relatos, ele tinha simplesmente arrancado cartazes do partido islâmico Tehreek-e-Labbaik Pakistan (TLP) das paredes da sua fábrica. Nos vídeos que circulam na Internet, pode ver-se uma multidão a espancar o homem deitado, enquanto se ouvem slogans do TLP contra a blasfémia. Outros tiraram selfies com o corpo a arder. O primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan, condenou o ataque, "um dia de vergonha para o Paquistão", escreveu no Twitter. "Estou a supervisionar a investigação e que não haja dúvidas de que todos os responsáveis serão punidos com todo o rigor da lei. As detenções estão a decorrer".
Embora continuem a ocorrer execuções extrajudiciais, são de assinalar poucos progressos no período em análise no que respeita aos casos de blasfémia, com excepção da libertação de um casal cristão condenado à morte por blasfémia em 2014. A 3 de Junho de 2021, um tribunal absolveu Shafqat Masih e a sua mulher Shagufta Kousar Masih, que tinham estado no corredor da morte durante sete anos, depois de terem sido acusados de enviar mensagens de texto blasfemas em que insultavam o Profeta Maomé. Embora o caso fosse frágil e os dois tenham sido absolvidos por falta de provas, foram necessários vários anos para provar a sua inocência.
O caso do Pastor Zafar Bhatti é diferente. O prisioneiro por blasfémia mais antigo do Paquistão viu a sua pena de prisão perpétua ser inesperada e incompreensivelmente alterada para uma pena de morte em Janeiro de 2022. Preso a 22 de Julho de 2012, foi acusado de enviar mensagens de texto blasfémicas a partir do seu telemóvel, mas sempre manteve a sua inocência.
Também em Janeiro de 2022, um tribunal paquistanês condenou à morte uma mulher muçulmana, Aneeqa Atteeq, que tinha sido detida em Maio de 2020, depois de um homem ter alertado a polícia para o facto de ela lhe ter enviado caricaturas do Profeta, consideradas sacrílegas, via WhatsApp.
A pessoa mais jovem de sempre a ser acusada de blasfémia no Paquistão é um rapaz hindu de 8 anos. Em Agosto de 2021, foi acusado de urinar intencionalmente numa carpete da biblioteca de uma escola islâmica, onde eram guardados livros religiosos. As acusações obrigaram a comunidade hindu local a fugir e levaram a um ataque a um templo hindu.
O número de casos de raparigas cristãs e hindus raptadas e sexualmente escravizadas, sob o pretexto de conversão ao Islamismo e de casamento com o raptor, continuou a aumentar durante o período em análise.
Entre os vários casos envolvendo raparigas cristãs, destaca-se o de Mahnoor Ashraf. A 4 de Janeiro de 2022, a jovem de 14 anos foi raptada por Muhammad Ali Khan Ghauri, um muçulmano de 45 anos, já casado e com dois filhos. O pai de Mahnoor comunicou o incidente à polícia, mas os agentes pouco ou nada fizeram para resolver o caso até 7 de Janeiro, data em que Ghauri anunciou que Mahnoor se tinha convertido voluntariamente ao Islamismo e se tinha casado com ele no próprio dia do rapto.
Outro caso, que parecia ter sido resolvido com sucesso, prova os limites da aplicação da lei no Paquistão. Em Abril de 2022, Meerab Mohsin, uma rapariga católica paquistanesa de 16 anos, foi vítima de violação, de casamento e conversão forçados. Embora tenha conseguido escapar ao seu agressor, um homem muçulmano, e regressar à sua família, o tribunal não invalidou o casamento. Como o advogado da rapariga, Tabassum Yousaf, explicou à AIS, os pais "estão muito preocupados com a decisão ambígua do tribunal, porque a qualquer momento a decisão pode ser interpretada de forma diferente e a família pode ser obrigada a devolver a filha ao marido, uma vez que o tribunal não anulou o casamento".
O flagelo dos raptos e das conversões forçadas também afectou gravemente a comunidade hindu. A 24 de Setembro de 2022, uma rapariga hindu de 14 anos foi raptada na cidade de Hyderabad, na província paquistanesa de Sindh. De acordo com os pais da rapariga, Chandra Mehraj foi raptada na zona de Fateh Chowk, em Hyderabad, quando regressava a casa. Este foi o quarto rapto e conversão forçada de uma rapariga hindu em apenas 15 dias.
Perspectivas para a liberdade religiosa
A vida continua a ser difícil para as minorias no Paquistão. Dada a grave crise económica e a instabilidade política do país, não se prevêem melhorias no futuro imediato. Além disso, a subida ao poder dos talibãs no vizinho Afeganistão poderá contribuir para o crescimento do fundamentalismo islâmico.
O quadro jurídico do Paquistão carece ainda de leis que protejam as minorias e impeçam as conversões forçadas. Este facto não impediu, no entanto, o desenvolvimento de alguns grupos de defesa dos direitos das minorias que conseguem, através de canais nacionais e transnacionais, ter algum impacto na opinião pública internacional.
No entanto, o mais preocupante é a educação cada vez mais islamocêntrica, que contribui, desde a escola primária, para a discriminação e para atitudes negativas em relação aos membros das minorias religiosas, uma situação que o Currículo Nacional Único ajudou a exacerbar. As perspectivas para a liberdade religiosa continuam a ser negativas.