Disposições legais em relação à liberdade religiosa e aplicação efectiva
A Nigéria é o país mais populoso de África, com mais de 200 milhões de habitantes, a maior economia do continente e um dos principais produtores de petróleo. Com um sistema de governo democrático parlamentar, o país está organizado como uma república federal com 36 estados e um Território da Capital Federal em Abuja.
A Constituição de 1999 impede o Governo da Federação, ou de um estado, de adoptar qualquer religião como religião do Estado (artigo 10.º) e propõe a tolerância religiosa como parte da ética nacional nas políticas do Estado (artigo 23.º). Consagra os princípios da não-discriminação por motivos religiosos (artigo 15.º, n.º 2), da igualdade de tratamento independentemente da religião (artigo 42.º, n.º 1) e obriga os partidos políticos a abrirem a sua filiação a qualquer cidadão nigeriano, independentemente da religião (artigo 222.º, alínea b), e a não ostentarem qualquer nome, símbolo ou logótipo com conotações religiosas (artigo 222.º, alínea e).
A Constituição também garante o direito de todas as pessoas à "liberdade de pensamento, consciência e religião, à liberdade de mudar de religião ou crença, e à liberdade (a sós ou em comunidade com outros, e em público ou em privado) de manifestar e propagar a sua religião ou crença no culto, ensino, prática e observância" (artigo 38.º, n.º 1). O artigo 38.º (n.º 2) diz que ninguém pode ser obrigado a participar em instrução religiosa contra a sua vontade se a instrução não estiver de acordo com a fé dessa pessoa. Esta garantia também se estende às cerimónias e observâncias religiosas. Nenhuma comunidade ou confissão religiosa pode ser impedida de ministrar ensino religioso aos alunos dessa comunidade ou confissão em qualquer estabelecimento de ensino mantido integralmente por essa comunidade ou confissão (artigo 38.º, n.º 3). Os direitos fundamentais reconhecidos não permitem a qualquer pessoa "formar, participar na actividade ou ser membro de uma sociedade secreta" (artigo 38.º, n.º 4).
Num esforço para promover a inclusão social, o artigo 15.º (n.º 3, alíneas c) e d)) da Constituição atribui ao Estado o dever de incentivar os casamentos inter-religiosos e de promover a criação de associações e grupos para membros de diferentes religiões. Alguns estados adoptaram legislação que exige que os pregadores obtenham uma licença para pregar (por exemplo, nos estados de Kano, Borno, Níger, Katsina e Kaduna). Os Nigerianos têm níveis particularmente elevados de empenho religioso, com 93% da sua população a indicar que a religião é muito importante para a sua vida.
A Nigéria tem um sistema jurídico misto que inclui o direito inglês, o direito comum, o direito consuetudinário e, em vários estados, o direito islâmico (sharia). Nos termos do n.º 1 do artigo 275.º da Constituição da Nigéria, os estados têm o direito de criar um Tribunal de Recurso da sharia. O n.º 1 do artigo 260.º da Constituição prevê a criação de um Tribunal de Recurso da sharia no Território da Capital Federal, em Abuja. Quando, há mais de 20 anos, 12 estados do Norte introduziram oficialmente a lei islâmica, muitos muçulmanos reagiram com entusiasmo, enquanto os Cristãos se opuseram à decisão. Registaram-se motins que custaram vários milhares de vidas, tanto de cristãos como de muçulmanos. "A maioria dos Muçulmanos do norte da Nigéria", escreve o Bispo Mathew Hassan Kukah, "continua a repercutir os sentimentos do antigo califado (1804-1903), que vê o Cristianismo como uma religião estrangeira ligada ao colonialismo".
Após mais de 20 anos de implantação da sharia, a situação no Norte da Nigéria agravou-se, uma vez que a etnia e a religião se tornaram efectivamente um meio de obter poder, recursos e privilégios. Na maior parte dos estados do Norte, as leis de blasfémia constam tanto da sharia como dos códigos penais estaduais; a educação cristã não é ensinada nas escolas públicas; os estudantes cristãos não têm acesso a bolsas de estudo do estado e os licenciados são discriminados no mercado de trabalho; as licenças de construção de igrejas são recusadas e os locais de culto cristãos são ilegalmente destruídos sem qualquer indemnização. Pelo contrário, no Sudoeste da Nigéria, onde vive uma percentagem significativa de muçulmanos, não se registou nenhum incidente significativo de violência por motivos religiosos e as relações inter-religiosas são geralmente respeitadoras.
A imposição de penas da sharia (culminando com a morte) inflige penas e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes (ou seja, amputações e espancamentos), o que contraria as obrigações internacionais do país. Além disso, a hisbah (também conhecida como polícia religiosa) impõe restrições morais e sociais, por exemplo, apreendendo e destruindo garrafas de cerveja; fechando os locais de venda de narguilé; fazendo rusgas em hotéis; proibindo cortes de cabelo da moda; proibindo comer em público durante o Ramadão (mesmo em zonas controladas por não muçulmanos); interrompendo "ajuntamentos imorais" e prendendo pessoas que não seguem a sharia. Algumas hisbah são entidades geridas pelo Estado (por exemplo, nos estados de Kano, Zamfara e Sokoto), ignorando a proibição explícita do n.º 1 do artigo 214.º da Constituição, que afirma que "nenhuma outra força policial [excepto a Força Policial Nigeriana] será criada na Federação ou em qualquer parte dela".
Uma questão de longa data colocada pela comunidade cristã é a de saber por que razão, apesar de ser um Estado não confessional com uma população quase 50% cristã, a Nigéria é, desde 1986, membro de pleno direito da Organização de Cooperação Islâmica (OCI), cujos objectivos são, entre outros: preservar "os símbolos islâmicos e a herança comum"; "defender a universalidade da religião islâmica" e "revitalizar o papel pioneiro do Islão no mundo". Uma outra decisão controversa do Governo federal sob a presidência de Buhari foi o reforço das relações com o Irão.
Incidentes e episódios relevantes
Discriminação legalizada pela sharia
No Norte, predominantemente muçulmano, os não muçulmanos enfrentam uma discriminação "legalizada" devido às interpretações da lei sharia, onde lhes é aplicada a lei da blasfémia; são excluídos de cargos governamentais; sofrem o rapto e o casamento forçado de mulheres cristãs por homens muçulmanos; não são concedidas autorizações para a construção de igrejas ou capelas; e são-lhes impostos códigos de vestuário, como a imposição do hijab muçulmano a todas as alunas em todas as escolas secundárias.
A crescente aplicação das disposições relativas à blasfémia consagradas nos códigos penal e da sharia da Nigéria foi considerada pela Comissão Norte-Americana da Liberdade Religiosa Internacional (USCIRF) como "um risco significativo para a liberdade religiosa dos Nigerianos, especialmente das minorias religiosas e daqueles que defendem crenças impopulares ou dissidentes". Um clérigo islâmico, Xeque Abduljabar Nasir Kabara, foi condenado à morte por blasfémia por um tribunal da sharia em Kano, uma decisão que se espera venha a ser objecto de recurso. O músico sufi Yahaya Sharif-Aminu, condenado à morte em 2020 por ter publicado letras de canções alegadamente blasfemas no WhatsApp, e depois de o seu recurso ter sido rejeitado em Agosto de 2022, está a contestar a constitucionalidade desta legislação perante o Supremo Tribunal da Nigéria.
Para além da legislação penal, a vingança social e a brutalidade por presumíveis expressões "blasfemas" não são menos preocupantes. A 12 de Maio de 2022, uma jovem cristã de 22 anos, Deborah Samuel Yakubu, estudante do Shehu Shagari College of Education, no estado de Sokoto, foi atacada e brutalmente assassinada devido a alegações de blasfémia por colegas estudantes muçulmanos que queimaram o seu corpo.
Em Junho de 2021, os bispos católicos da Nigéria apelaram a uma revisão da Constituição nigeriana de 1999, afirmando que esta favorecia os Muçulmanos, colocando "os Cristãos e os adeptos de outras religiões em desvantagem", não augurando assim "nada de bom para a unidade e o progresso do país". Os redactores da Constituição de 1999 criaram tribunais sharia para os Muçulmanos. No entanto, a diversidade de sistemas e regimes jurídicos resulta na actual situação de não haver uma lei comum a todos os cidadãos nigerianos.
Muitos juristas e académicos consideram que a lei e os tribunais da sharia contradizem a natureza não confessional da Constituição nigeriana. Apesar disso, um tribunal federal de Kano decidiu, a 17 de Agosto de 2022, pela primeira vez, que "a lei da sharia é constitucional (...) [e] a tentativa dos recorrentes de provar a ilegalidade da lei da sharia é, por conseguinte, infundada". Além disso, dois meses antes, a 17 de Junho, o Supremo Tribunal da Nigéria confirmou o direito das alunas a usarem o hijab nas escolas públicas de Lagos, anulando a restrição estatal.
Já existem tribunais da sharia em 12 dos estados do norte da Nigéria e há uma pressão crescente para que sejam criados mais. Por exemplo, o Muslim Rights Concern (MURIC) manifestou o seu apoio à introdução da sharia no sudoeste. A comunidade muçulmana do estado de Osum, no sul do país, exigiu que o governador do estado reconhecesse os tribunais sharia como parte do sistema judicial do estado (de facto, o presidente da comunidade revelou que já tinham criado um tribunal sharia). Além disso, o Conselho Nacional das Organizações Juvenis Muçulmanas apelou à criação de um tribunal de recurso da sharia no estado de Lagos e solicitou a criação obrigatória de tribunais da sharia para qualquer estado nigeriano que tenha pelo menos 100 muçulmanos a viver no seu território, através da alteração da Secção 275 (n.º 1) da Constituição. A Associação de Advogados Muçulmanos da Nigéria (MULAN) exigiu a criação de tribunais da sharia em todo o sul do país, de maioria cristã, para atender aos interesses da população muçulmana da região.
Violência e atentados terroristas
A Nigéria está classificada em 6.º lugar (num total de 163 países) no Índice Global de Terrorismo (GTI). Para além das hostilidades do movimento separatista Povo Indígena do Biafra (IPOB), o país é assolado pelo banditismo e pela violência de gangues, por lutas de facções intra-islamistas entre xiitas, Izala, Boko Haram e o Estado Islâmico da Província da África Ocidental (ISWAP), entre outros grupos, bem como ataques terroristas de cariz religioso contra (maioritariamente) cristãos, muçulmanos e membros de religiões tradicionais. Em 2016, o Boko Haram, um grupo salafita-jihadista que luta pela imposição de um califado em toda a Nigéria e por uma versão estrita da lei da sharia, dividiu-se em duas facções: Jama'atu Ahlis Sunna Lidda'adati wal-Jihad (JAS) e ISWAP. Uma terceira facção (Ansaru al-Musulmina fi Bilad al-Sudan, ou Ansaru) aumentou a sua actividade, operando principalmente na região noroeste e central da Nigéria. Uma grande parte dos ataques do Boko Haram e do ISWAP ocorre nos estados de Borno, Yobe e Adamawa, no nordeste, e em menor escala noutros estados, como Gombe, Kano, Kaduna, Plateau, Bauchi e Taraba. A interpretação da sharia pelo ISWAP leva a castigos cruéis, como a amputação das mãos de alegados ladrões, a morte de adúlteros ou de civis que se recusem a pagar impostos ou a desobedeçam a ordens. O grupo tem como alvo, em particular, a minoria cristã no nordeste da Nigéria, provavelmente para demonstrar a sua lealdade ao autoproclamado Estado Islâmico. Um relatório publicado pelo PNUD da Nigéria em Junho de 2021 estimava que, até ao final de 2020, o conflito no nordeste tinha provocado cerca de 350 mil mortes, 314 mil das quais por causas indirectas. As diferenças religiosas são vistas por 52% da população do nordeste nigeriano e 49% da população do noroeste como motivo de conflito.
Nalgumas áreas, como no estado de Kaduna, os terroristas infiltraram-se e dominaram comunidades e formaram "uma autoridade governamental paralela", exercendo controlo sobre as actividades sociais e económicas e a aplicação da justiça. Os esforços do Governo federal para os erradicar e às suas actividades foram considerados por alguns como um "exercício de futilidade". Além disso, o Arcebispo católico de Abuja, Ignatius Ayau Kaigama, denunciou a distribuição tendenciosa e injusta dos recursos por parte do Governo federal, discriminando os Cristãos, como uma "perseguição subtil".
Embora os Muçulmanos também sejam vítimas de violência no país, os Cristãos são desproporcionadamente visados. O Relatório sobre a Violência na Nigéria (2019-2022) publicado pelo Observatório da Liberdade Religiosa em África revelou que o rácio global de cristãos/muçulmanos mortos é de 7,6/1. De acordo com o Projecto de Dados sobre Localização e Eventos de Conflitos Armados (ACLED), os ataques à comunidade cristã aumentaram no meio de um agravamento mais amplo da violência contra civis em todo o país: o total de alvos civis aumentou 28% de 2020 a 2021, e esta tendência continuou em 2022. Os números globais são terríveis. Um relatório publicado em Agosto de 2021 pela ONG nigeriana Intersociety revelou que 43 mil cristãos foram mortos por jihadistas nigerianos em 12 anos, 18.500 desapareceram permanentemente, 17.500 igrejas foram atacadas, 2.000 escolas cristãs foram destruídas, 10 milhões foram desenraizados no Norte, 6 milhões foram forçados a fugir e 4 milhões são deslocados internos. Em Junho de 2022, a média mensal de eventos violentos contra cristãos aumentou 50% em comparação com 2020 nas regiões noroeste e centro-norte. O Projecto de Documentação das Atrocidades na Nigéria, do Kukah Centre de Abuja, registou cerca de 200 ataques a comunidades cristãs no norte da Nigéria durante um período de oito meses em 2022, em que centenas de cristãos foram mortos e milhares foram deslocados, com pouca intervenção policial ou militar.
Os líderes religiosos têm sido muitas vezes particularmente visados. Desde 2012, foram mortos 39 sacerdotes católicos e raptados 30, para além de terem sido assassinados 17 catequistas. Em Maio de 2022, o autoproclamado Estado Islâmico divulgou um vídeo que mostrava a execução de 20 cristãos nigerianos "para vingar a morte dos líderes do grupo no Médio Oriente" no início de 2022. No mesmo mês, terroristas do ISWAP atacaram Rann (estado de Borno), matando pelo menos 45 agricultores durante uma colheita na sua quinta.
Um dos ataques terroristas mais sangrentos dos últimos anos foi, no entanto, cometido a 5 de Junho de 2022 por homens armados não identificados que abriram fogo contra a Igreja Católica de São Francisco na cidade de Owo, no sudoeste da Nigéria, no Domingo de Pentecostes, fazendo mais de 50 mortos, incluindo mulheres e crianças.
A 31 de Julho de 2022, terroristas fulani mataram oito cristãos no estado de Plateau. Em Setembro de 2022, pastores fulani extremistas raptaram mais de 45 pessoas em Kasuwan Magani, em Kajuru LGA, no sul de Kaduna, invadindo a Igreja dos Querubins e Serafins durante uma vigília nocturna e exigindo um resgate de 200 milhões de euros. A 19 de Outubro de 2022, alegados pastores fulani armados mataram 36 aldeões após um cerco à cidade de Gbeji, no estado de Benue. A 23 de Novembro de 2022, militantes dos pastores fulani invadiram uma comunidade de Enugu, matando 10 pessoas, ferindo muitas outras e destruindo as suas casas. Num outro ataque bárbaro, em Dezembro de 2022, pelo menos 46 aldeões foram mortos no norte do estado de Kaduna em dois ataques separados que se crê terem sido perpetrados por um grupo de pastores fulani militantes. Nada menos de 100 casas foram destruídas, tendo algumas vítimas sido queimadas vivas. Os líderes da Igreja local afirmam que, embora os ataques contra aldeias e igrejas cristãs, bem como contra sacerdotes, religiosas, pastores, seminaristas e fiéis, sejam noticiados quase todos os dias na comunicação social nacional nigeriana, muitas destas atrocidades não são relatadas a nível mundial e não têm repercussões internacionais. O Bispo católico Wilfred Anagbe, de Makurdi, no estado de Benue, fala de um "genocídio rastejante" contra os Cristãos, com o objectivo de "islamizar todas as regiões de maioria cristã".
Os conflitos em curso têm sido e continuam a ser comuns na região do Cinturão Médio da Nigéria entre os pastores nómadas fulani, maioritariamente muçulmanos, e outros agricultores tradicionais, principalmente cristãos. As raízes da violência são complicadas, embora se trate sobretudo de uma luta pelos recursos (terra e água) com elementos étnicos, políticos e religiosos.
Desta mistura tóxica emergem os terroristas fulani – uma pequena minoria entre os 12 a 16 milhões de pessoas do grupo étnico Fulani na Nigéria –, que declararam o seu empenhamento numa ideologia islamista recrutada por grupos criminosos jihadistas nacionais e transnacionais. De acordo com a investigação da Fundação AIS, muitos dos terroristas fulani parecem ser originários de países vizinhos. Sob o pretexto da competição pelos recursos, os extremistas islâmicos fulani matam, queimam e mutilam os nigerianos segundo linhas étnicas e religiosas, visando igrejas, líderes religiosos e celebrações, bem como muçulmanos que não aceitam a agenda fundamentalista. Desde 2009, estima-se que tenham ocorrido entre 13 mil e 19 mil assassinatos por terroristas fulani, tendo inúmeras outras vítimas sofrido ferimentos que mudaram as suas vidas.
O Observatório da Liberdade Religiosa em África (ORFA) constata que: "A maioria dos ataques com o maior número de assassínios ocorre durante a época agrícola nigeriana. Os raptos distribuem-se mais equitativamente ao longo do ano. Os ataques durante a época agrícola têm um maior impacto na vida das vítimas do que os ataques em qualquer outra altura. Esta constatação reforça a suspeita de que os atacantes têm como objectivo matar ou fazer morrer à fome as suas vítimas, especialmente os Cristãos do norte da Nigéria. Alguns chamam a isto 'genocídio por atrito'".
Desconsiderando as provas factuais relatadas, algumas narrativas predominantes continuam a minimizar a natureza islâmica dos ataques terroristas fulani. Uma declaração emitida após o massacre de 5 de Junho de 2022 na Igreja Católica de S. Francisco Xavier, em Owo, pelo Presidente irlandês, Michael D. Higgins, na qual condenava o ataque, associava a atrocidade às "consequências das alterações climáticas" dos povos pastorais. O Bispo Jude Ayodeji Arogundade de Ondo respondeu dias depois à declaração do presidente dizendo que "as suas razões para este terrível massacre são incorrectas e rebuscadas."
Ao negligenciarem a dimensão religiosa, estas narrativas esbatem a distinção entre vítimas e agressores, transmutam a natureza criminosa dos ataques e neutralizam qualquer solução possível, diagnosticando-a incorrectamente. Como afirmou a Baronesa Cox, co-presidente do Grupo Parlamentar de Todos os Partidos do Reino Unido para a Liberdade Internacional de Religião ou Crença: "Embora as causas subjacentes à violência sejam complexas, a assimetria e a escalada dos ataques de milícias fulani bem armadas contra estas comunidades predominantemente cristãs são gritantes e têm de ser reconhecidas. Tais atrocidades não podem ser atribuídas apenas à desertificação, às alterações climáticas ou à competição pelos recursos, como o Governo [do Reino Unido] tem afirmado."
Em resposta à violência crescente, vários governos estaduais na Nigéria – inicialmente promulgada em 2016 nos quatro estados do Cinturão Médio de Ekiti, Edo, Benue e Taraba – adoptaram leis contra o pastoreio aberto para limitar potenciais conflitos entre pastores e agricultores. No entanto, a inacção do Governo Federal liderado pelo presidente Muhammadu Buhari, ele próprio um muçulmano fulani – tal como muitos dos líderes governamentais – é cada vez mais vista por uma grande parte da população nigeriana como um apoio tácito aos objectivos dos Fulani. O exército nigeriano também tem sido acusado de colaborar com os terroristas fulani nos raptos com pedido de resgate. O Governo que libertou os terroristas do Boko Haram em 2022, revelou planos para libertar centenas de terroristas "arrependidos", criando alarme e agitação social. De acordo com uma investigação da Reuters, desde pelo menos 2013, os militares nigerianos "conduziram um programa secreto, sistemático e ilegal de aborto no nordeste do país, pondo fim a pelo menos 10 mil gravidezes entre mulheres e raparigas (...) muitas [das quais] tinham sido raptadas e violadas por militantes islâmicos."
A 11 de Dezembro de 2020, o procurador do Tribunal Penal Internacional concluiu que havia uma base razoável para acreditar que o Boko Haram e as forças de segurança nigerianas tinham cometido crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Até à data, porém, não foi aberta qualquer investigação sobre as acções criminosas generalizadas e sistemáticas perpetradas por grupos jihadistas fulani contra as comunidades cristãs no país, apesar de vários relatórios fiáveis dos meios de comunicação social e da sociedade civil documentarem os assassínios sistemáticos, as violações, os raptos, os ataques contra locais e líderes religiosos, bem como a destruição de meios de subsistência e a ocupação de terras, contra essas comunidades. Devido à violência generalizada, muitos nigerianos, entre os quais cristãos, tiveram de fugir ao longo dos anos, quer como deslocados internos quer como refugiados. De acordo com os relatórios do ACNUR, há 2.197.824 de deslocados internos no nordeste da Nigéria (principalmente nos estados de Borno, Adamawa e Yobe) e 969.757 nas regiões noroeste e centro-norte. Além disso, 339.669 nigerianos pediram asilo nos Camarões, no Chade e no Níger.
O secretário de Estado norte-americano Antony Blinken anunciou, a 17 de Novembro de 2021, a retirada da Nigéria da lista dos países particularmente preocupantes (CPC) em termos de liberdade religiosa, depois de ter sido acrescentada à lista pelo então secretário de Estado Mike Pompeo em Dezembro de 2020. A decisão foi considerada pela USCIRF como "inexplicável", acusando o Departamento de Estado norte-americano de não ter qualquer justificação para a remoção da Nigéria "como um violador flagrante da liberdade religiosa, que cumpre claramente as normas legais para a designação como país CPC". Sam Brownback, antigo embaixador dos EUA para a liberdade religiosa, considerou a exclusão da Nigéria da lista dos países CPC "um rude golpe para a liberdade religiosa tanto na Nigéria como em toda a região". A decisão de retirar a Nigéria da lista dos países CPC, enfraquecendo a credibilidade da Administração dos EUA aos olhos dos líderes cristãos da Nigéria, foi publicada apenas um dia antes da visita de Blinken à Nigéria.
Próximas eleições
A 25 de Fevereiro de 2023, os Nigerianos elegeram um novo presidente e um novo vice-presidente, bem como membros da Câmara dos Representantes e do Senado. Um candidato presidencial, Bola Tinubu, do actual partido Congresso de Todos os Progressistas (APC), escolheu um senador muçulmano para vice-presidente, apresentando assim uma candidatura exclusivamente muçulmana. As comunidades cristãs nigerianas manifestaram o receio de que a ruptura da prática consolidada nas eleições presidenciais de ter uma candidatura muçulmana e cristã aumentasse as tensões sociais e alimentasse os ataques terroristas islamistas contra os Cristãos, muitos dos quais seriam forçados a fugir do país.
Após quase oito anos no poder, o presidente cessante da Nigéria, Muhammadu Buhari, vai abandonar o cargo, deixando uma situação de caos e de agitação geral, devido à insegurança mortal, ao aumento do custo de vida e à escassez de alimentos. O futuro presidente terá de enfrentar uma situação de segurança desastrosa em várias frentes: o jihadismo do Boko Haram e do ISWAP, o terrorismo islâmico dos Fulani, o banditismo, a insurreição separatista e os "militantes do petróleo". Ultrapassar as divisões religiosas, étnicas e regionais do país será também um grande desafio para o novo Presidente nigeriano. Além disso, a Nigéria está provavelmente a sofrer as piores condições financeiras e económicas desde o regresso à democracia em 1999, com a queda das receitas e uma dívida insustentável. Um relatório do Africa Polling Institute revela que, entre 2019 e 2021, houve um aumento de 41% (de 32% para 73%) na proporção de cidadãos que aproveitariam a oportunidade para emigrar com as suas famílias para fora da Nigéria.
Perspectivas para a liberdade religiosa
A liberdade religiosa na Nigéria está gravemente ameaçada, principalmente em consequência de medidas legais que apoiam a discriminação contra os Cristãos nos estados do Norte, bem como de atrocidades graves e implacáveis cometidas em todo o país. As vítimas são predominantemente cristãs, mas também muçulmanas e de religiões tradicionais, líderes religiosos e fiéis que sofrem às mãos dos terroristas, grupos armados jihadistas e criminosos nacionais e transnacionais.
A narrativa prevalecente – frequentemente limitada às "alterações climáticas e tensões intercomunitárias" – nega a realidade e os verdadeiros factores de violência no terreno, em particular o facto de visar especificamente os Cristãos, tornando as vítimas deste grupo religioso destituídas e politicamente invisíveis. O Governo federal não ajuda a situação, recusando-se sistematicamente a empregar o termo "terrorista" para reconhecer a natureza terrível dos actos, bem como os seus autores, apesar dos repetidos apelos de organizações da sociedade civil nacionais e internacionais, académicos, representantes políticos e líderes religiosos. As perspectivas para a liberdade religiosa na Nigéria continuam a ser sombrias.