Disposições legais em relação à liberdade religiosa e aplicação efectiva
A República Árabe do Egipto tem uma longa tradição como estado-nação. Embora predominantemente muçulmano, o país acolhe a maior comunidade cristã do mundo árabe, os Coptas. A proporção de cristãos é mais elevada nas províncias do Alto Egipto. Muitos cristãos vivem também no Cairo. Há uma pequena minoria judaica de várias centenas de membros. O número de muçulmanos xiitas, baha’ís e outros grupos é também muito reduzido. Nos últimos anos, o Egipto sofreu instabilidade e agitação política e económica. Em 2011, o presidente Hosni Mubarak, no poder há muito tempo, foi derrubado na sequência de manifestações em massa. Em 2012, Mohammed Morsi, da Irmandade Muçulmana, foi eleito Presidente por uma curta margem. Em Junho e Julho de 2013, os militares egípcios retiraram-no do poder após protestos na rua por parte de milhões de egípcios. Acusaram-no de islamizar o país e de o gerir mal. Os que se opunham à queda de Morsi do poder e ao seu contexto descreveram os desenvolvimentos como um golpe de Estado. Os apoiantes disseram que era necessário salvar a democracia. O Egipto permanece altamente dividido sobre este assunto. Em 2014, o General Abdel Fatah al-Sisi foi eleito presidente do país. E foi reeleito em Abril de 2018. Mas os problemas económicos e de segurança continuam. Sobretudo na península do Sinai, o país enfrenta uma insurgência islâmica por parte de grupos aliados do Daesh (ISIS). O Cairo tem igualmente sido palco de ataques contra responsáveis estatais. Em Janeiro de 2014, a Constituição revista foi aceite por referendo. Mais de 98% dos que votaram eram a favor do texto. A Igreja Católica acolheu o texto. O Bispo católico copta Kyrill William de Assiut disse à Fundação AIS que a manutenção da lei da sharia como fonte de legislação no Egipto não era necessariamente problemática. Disse: “Esta é a situação no Egipto há muito tempo, mesmo antes de Morsi. Nunca nos fez mal, a nós cristãos. Mas o que é mais importante é que o novo artigo 3º garante aos cristãos e aos judeus autonomia nas questões do estatuto civil e dos assuntos internos da Igreja.” O preâmbulo da Constituição de 2014 descreve o Egipto como: “O berço das religiões e o estandarte da glória das religiões reveladas. Na sua terra, Moisés cresceu, a luz de Deus apareceu e a mensagem desceu sobre o Monte Sinai. Na sua terra, os egípcios acolheram a Virgem Maria e o seu filho e ofereceram milhares de mártires em defesa da Igreja de Jesus. Quando o Selo dos Mensageiros de Maomé (Paz e bênçãos estejam com ele) foi enviado a toda a humanidade para aperfeiçoar a moral sublime, os nossos corações e mentes abriram-se à luz do Islão. Fomos os melhores soldados na terra para lutar pela causa de Deus e divulgámos a sua mensagem de verdade e ciências religiosas em todo o mundo.”De acordo com o artigo 2º, “o Islão é a religião do Estado e o árabe é a sua língua oficial. Os princípios da sharia islâmica são a principal fonte de legislação.” O preâmbulo especifica que “a referência para a sua interpretação são os textos relevantes no conjunto de decisões do Supremo Tribunal Constitucional.”O artigo 3º afirma: “Os princípios das leis dos cristãos e judeus egípcios são a principal lei que regulamenta o seu estatuto pessoal, os assuntos religiosos e a selecção de líderes espirituais.”O artigo 7º protege a Universidade Al-Azhar como a mais importante instituição sunita de ensino islâmico. “A Al-Azhar é uma instituição islâmica científica independente, com competência exclusiva sobre os seus próprios assuntos. É a principal autoridade para as ciências religiosas e para os assuntos islâmicos. É responsável pela pregação do Islão e pela divulgação das ciências religiosas e da língua árabe no Egipto e no mundo.”O artigo 53º declara: “Os cidadãos são iguais perante a lei, possuem iguais direitos e deveres públicos, e não podem ser discriminados com base na religião, crença, sexo, origem, raça, cor, língua, deficiência, classe social, filiação política ou geográfica, ou por qualquer outra razão.”O artigo 64º afirma: “A liberdade de crença é absoluta. A liberdade de praticar rituais religiosos e de estabelecer locais de culto para os seguidores das religiões reveladas é um direito organizado pela lei.”De acordo com o artigo 74º: “Nenhuma actividade política pode ser exercida ou nenhum partido político pode ser formado com base na religião, nem a discriminação pode ser baseada no sexo, origem, seita ou localização geográfica.” O artigo 244º afirma: “O Estado concede aos jovens, cristãos, pessoas com deficiência e egípcios expatriados adequada representação na primeira Câmara dos Representantes a ser eleita após a adopção desta Constituição, de maneira especificada por lei.” Segundo o artigo 98º, alínea f) do Código Penal, denegrir religiões, promover pensamentos extremistas com o objectivo de incitar à luta, denegrir qualquer uma das “religiões divinas” e prejudicar a unidade nacional implicam penalizações que vão dos seis meses aos cinco anos de prisão. Embora a conversão religiosa não seja proibida por lei, na prática o Governo não reconhece a conversão do Islamismo e os cidadãos nascidos muçulmanos que abandonam o Islão por outra religião não podem alterar a referência à sua religião nos seus documentos de identificação. A lei não reconhece a fé baha’í ou as suas leis religiosas e proíbe as instituições e actividades comunitárias baha’í. Os Baha’ís não podem recorrer à lei civil por questões relacionadas com o estatuto pessoal. O mesmo se aplica às Testemunhas de Jeová. Quando o antigo general Abdel Fattah al-Sisi prestou juramento como o novo presidente do Egipto em Junho de 2014, homenageou o papel da Igreja Copta do Egipto, tanto em termos do passado como no presente. Ao reportar-se ao discurso de al-Sisi, o Bispo católico copta Antonios Aziz Mina de Giza afirmou: “O novo Presidente disse que a Igreja tinha desempenhado um papel importante na história do Egipto e que tinha feito inegáveis contribuições para salvaguardar a unidade nacional, enfrentando os que fomentaram conflitos entre o povo egípcio. Disse também que a Igreja, juntamente com a Universidade sunita Al-Azhar, pode dar um contributo precioso para libertar o discurso religioso da exploração que tem sofrido nos últimos anos.” Incidentes
Em Maio de 2016, o novo texto da lei sobre a construção de locais de culto foi publicado na sua forma pré-definitiva. O projecto de legislação foi apresentado aos líderes da Igreja Ortodoxa Copta, para que estes pudessem avaliar o texto e levantar quaisquer objecções. No Outono de 2014, representantes das principais Igrejas e comunidades cristãs no Egipto tinham enviado um memorando aos líderes do Governo egípcio com sugestões e propostas.Em particular, tinham proposto que as autorizações de construção de locais de culto cristãos deveriam ser concedidas pelas autoridades municipais locais, como acontece na construção de edifícios privados, em vez de serem concedidas apenas após decisões das autoridades provinciais e nacionais. Os constrangimentos burocráticos que complicam a construção de novas igrejas datam em parte do período Otomano. Em 1934, o Ministério do Interior acrescentou as chamadas “10 normas”, que proíbem, entre outros, a construção de novas igrejas perto de escolas, canais, edifícios estatais, caminhos-de-ferro e zonas residenciais. Em muitos casos, a aplicação restrita destas normas tem impedido a construção de igrejas em cidades e aldeias habitadas por cristãos, sobretudo nas zonas rurais do Alto Egipto. A 30 de Agosto de 2016, a Lei da Construção e Renovação de Igrejas foi aprovada por uma maioria de dois terços. Segundo esta lei, pela primeira vez na história do Egipto, a renovação e a construção de novas igrejas vai depender de autorização por parte dos governadores provinciais. Anteriormente, segundo as normas dos tempos otomanos, era necessária autorização presidencial e o acordo dos serviços de segurança. A questão da construção ou restauro de igrejas no país tem sido sempre, e ainda é, particularmente controversa. Emboraesta nova lei tenha melhorado a situação, está longe de resolver o problema, e tem havido alguns episódios de violenta oposição muçulmana aos coptas por causa desta questão.De acordo com a Catholic News Agency, o Egipto tem cerca de 2.600 igrejas – uma igreja por cada 5.500 cidadãos cristãos –, enquanto há uma mesquita por cada 620 cidadãos muçulmanos. Os coptas aproveitaram esta nova lei para legalizar e regularizar os seus locais de culto. O Governo egípcio já legalizou 215 igrejas, em sete províncias, declarando que estão de acordo com os parâmetros definidos pelas novas disposições legais. De acordo com a agência Fides, este é apenas o primeiro passo. Há mais centenas de casos de locais de culto cristãos que terão de ser analisados para que sejam legalizados e regularizados. A 30 de Junho de 2016, na cidade de Al-Arish no norte do Sinai, um sacerdote ortodoxo copta foi abatido a tiro. Este ataque foi reivindicado pelo braço egípcio do Estado Islâmico. A 11 de Dezembro de 2016, um bombista suicida fez-se explodir na Igreja Ortodoxa Copta de São Pedro e São Paulo, perto da Catedral Ortodoxa Copta de São Marco, no Cairo. Pelo menos 29 pessoas, incluindo seis crianças, foram mortas e dezenas de pessoas ficaram feridas. O Daesh reivindicou a responsabilidade deste ataque terrorista, afirmando que os ataques iriam continuar contra “cada infiel e apóstata no Egipto e em todo o lado”. Em Fevereiro de 2017, após o aumento dos ataques por parte do Estado Islâmico cujo alvo eram cidadãos coptas na cidade de Al-Arish, muitas famílias decidiram fugir para Ismailia, a cidade mais próxima no Delta do Nilo. De acordo com os números oficiais, até 258 famílias cristãs coptas abandonaram a cidade de Al-Arish e estão agora a viver em 13 províncias diferentes. No Domingo de Ramos, 9 de Abril de 2017, houve dois ataques suicidas em duas igrejas ortodoxas coptas – São Jorge em Tanta e São Marcos em Alexandria –, que fizeram 44 mortos e mais de 120 feridos. Ambos os ataques foram reivindicados pelo Daesh. A 26 de Maio de 2017, pelo menos 28 pessoas foram mortas a tiro – várias executadas com um único tiro na cabeça – e 23 ficaram feridas durante uma viagem de autocarro ao Mosteiro Ortodoxo Copta de São Samuel, no Egipto. O presidente al-Sisi repetiu o seu apelo a que sejam punidos os países que financiam, treinam e armam extremistas. Após as explosões de bombas de Abril, o Egipto impôs o estado de emergência durante três meses. Algumas vozes na comunicação social questionaram se os coptas deveriam continuar a confiar no presidente al-Sisi depois de terem passado por estes ataques extremistas. A posição oficial da Igreja não mudou e a maioria da comunidade copta ainda está com o presidente al-Sisi. Um comentador observou: “Embora alguns coptas possam questionar [o apoio oficial da Igreja ao presidente al-Sisi], como muitos outros que apoiam Sisi, está a ser- lhes difícil ver uma alternativa ao actual regime.” O Papa Francisco fez uma visita histórica ao Cairo em Janeiro de 2017. O Padre Rafic Greiche, porta-voz dos bispos egípcios, disse: “A visita do Papa foi uma grande bênção para os egípcios, tanto muçulmanos como cristãos. Levantou o ânimo do povo egípcio, sobretudo depois das explosões do Domingo de Ramos. O Papa transmitiu uma mensagem de amor, paz e esperança.” Em Julho de 2017, foi reportado que um soldado chamado Joseph Reda Helmy tinha sido espancado até à morte depois de responsáveis superiores terem descoberto que ele era cristão. O relato oficial da morte do soldado dizia que ele tinha morrido de um ataque epiléptico. Contudo, um exame ao corpo revelou hematomas na cabeça, ombros, órgãos genitais e pescoço e também nas costas, onde os ferimentos eram mais graves. Diz-se que os três responsáveis suspeitos de estarem envolvidos foram detidos, após um procurador ter exigido uma investigação. Em Janeiro de 2018, a Comissão dos Negócios Estrangeiros do Parlamento egípcio elaborou uma resposta a um memorando sobre “assuntos coptas” escritos pela organização Coptic Solidarity, com sede nos EUA. O memorando, que tinha sido tornado público por alguns membros do Congresso norte-americano, alegava haver discriminação sistemática contra os coptas durante o Governo de al-Sisi. A resposta da Comissão dos Negócios Estrangeiros considerou que estas alegações não eram precisas.Desde o início de 2018 que foram reportados vários casos de violência inter religiosa e ataques, raptos, conversões e casamentos forçados. Em Maio de 2018, foram devolvidos ao Egipto os corpos de 20 cristãos coptas mortos pelo Estado Islâmico na Líbia, em Fevereiro de 2015. Perspectivas para a liberdade religiosa
A situação relativa à liberdade religiosa melhorou desde que um surto de violência anti-cristã atingiu o pico em Agosto de 2013 com ataques a quase 80 igrejas e outros centros coptas, incluindo conventos, escolas e postos de saúde. O Padre Rafic Greiche, porta-voz da Igreja Católica, destacou que a posição dos cristãos no Egipto melhorou muito desde que Mohammed Morsi, da Irmandade Muçulmana, foi expulso da presidência em Julho de 2013. Em Maio de 2016, o Padre Greiche disse: “Não há comparação entre a situação hoje em dia e a que existia durante o Governo da Irmandade Muçulmana. Hoje em dia, temos muito boas relações entre os líderes da Igreja e as agências governamentais. Contudo, claro que ainda há muitos problemas. Mas a minha impressão é de que os muçulmanos estão muito mais conscientes da nossa situação.” O presidente al-Sisi está a dar sinais que incentivam a possibilidade de maior unidade nacional entre muçulmanos e cristãos. As suas visitas às cerimónias coptas de Natal nos últimos anos são um sinal disso mesmo. Além disso, o apelo do Presidente a uma reforma do Islão teve uma influência positiva na opinião pública. A nova Constituição de 2014 é um passo na direcção certa, embora outras leis e políticas estatais que discriminam os não muçulmanos se mantenham inalteradas. Continua a existir uma intolerância social profundamente enraizada e discriminação contra não muçulmanos, sobretudo cristãos, o que constitui um problema social grave, sobretudo no Alto Egipto. Os cristãos são frequentemente vítimas de crimes como por exemplo chantagem e rapto, que são incentivados por um clima de impunidade. Além disso, os que estão totalmente fora das religiões monoteístas tradicionais, como os ateus e os baha’ís, enfrentam enormes desafios perante as atitudes sociais e as políticas governamentais.Há sinais de uma mudança de abordagem nas instituições, como por exemplo a Universidade sunita Al-Azhar. Mas ainda há muito a fazer. O Bispo católico copta Youssef Aboul-Kheir disse à Fundação AIS: “A Universidade Al-Azhar é considerada como uma força moderada. Mas na realidade há muitas coisas nos seus ensinamentos e programas que são tudo menos moderadas. Por exemplo, o uso da força em casos de apostasia por muçulmanos é justificado. Isto é uma contradição com as perspectivas moderadas. A Universidade Al-Azhar deve corrigir o seu programa.” Embora a maior parte dos coptas apoie o presidente al-Sisi nos seus esforços para restaurar a segurança e a estabilidade, alguns deles, em especial os coptas jovens, urbanos e politizados, tendem a criticar as fortes ligações entre a Igreja Ortodoxa Copta e o regime.