O legado dos Caminhões-Capela na Amazônia
A Amazônia, conhecida como pulmão do mundo, graças à sua rica biodiversidade, também guarda histórias que renovam o fôlego e nos inspiram. Em Altamira, no interior do Pará, Brasil, um caminhão estacionado no canto de uma oficina, entre ferrugens e sucatas, carrega memórias que nunca envelhecerão.
“Esse caminhão foi usado na Segunda Guerra Mundial, veio da Suíça, mas aqui trabalhava em outro tipo de guerra, uma guerra de paz. Aqui veio servir ao projeto de Deus de lutar pela paz e pelas famílias”, conta Orlando Bragança, o dono da oficina, enquanto olha com admiração o veterano aposentado de rodas, que tanto amor transportou pela Amazônia.
Memorial de quem AMA
Como aquele caminhão, outros 319, chegaram ao Brasil através do apoio da ACN aos salesianos, no Projeto AMA, que no início significava Ajuda Motorizada da Amazônia legal. Depois de um tempo a missão dos caminhões foi ampliada e passou a ser chamada de Assistência Missionária Ambulante.
Padre Werenfried, fundador da ACN, escreveu sobre a inspiração desse projeto: “Nossos caminhões AMA garantem o contato entre os padres e o povo, promovem o surgimento de comunidades cristãs, trazem alimentos, remédios, material didático e material de construção, levam as produções locais ao mercado e, assim, pela primeira vez, pessoas exploradas recebem um preço justo pelos frutos de seu trabalho. Uma tocha de esperança foi acesa na região Amazônica e esse fogo circula viajando.”
Atualmente, já sem condições de circular, o caminhão encontrado na oficina de Altamira se tornou o memorial de um amor que nunca estaciona. “Durante o período em que a Transamazônica era quase intrafegável, esses caminhões desempenharam um papel crucial na expansão pastoral da região. Eles transportavam materiais de construção para as casas paroquiais e igrejas”, afirma Orlando, acrescentando: “Esses caminhões são verdadeiras relíquias!”
Não fomos esquecidos
Graças ao AMA, os bispos, padres e religiosas puderam visitar e levar ajuda a muitas comunidades. O projeto envolveu 45 carregamentos de caminhões para o porto de Belém do Pará, treinamento de mecânica para 300 pessoas da região, treinamento para motoristas em Belém, Manaus, Cuiabá e Boa Vista, e distribuição dos caminhões em 67 centros em 44 dioceses.
Esse projeto foi inspirado nos Caminhões-Capela, uma iniciativa da ACN que espalhou pela Europa, devastada pela guerra, dezenas de caminhões que se transformavam em verdadeiras “igrejas sobre rodas”, alimentando a fé dos fiéis nos lugares mais isolados através dos sacramentos. Em uma carta endereçada ao Pe. Werenfried, fundador da ACN, uma jovem expressa sua gratidão pela visita do caminhão e testemunha que ele não levava apenas a comunhão com Cristo, mas também com os irmãos: “Foi pela sensação de não sermos esquecidos que nos sentimos agradecidos.” Em meio a tantas carências e abandonos, o som do motor daqueles caminhões se aproximando das vilas era como um alegre anúncio de que alguém se importava com eles e buscava formas inovadoras de aliviar seus sofrimentos, porque o amor é sempre criativo.
O combustível da esperança
Também no Brasil, esses caminhões chegavam carregados de amor fraterno e esperança, como compartilha Rafael D’Aqui, responsável pela seção de projetos da América Latina, e que descobriu um desses veículos no Project Trip ao estado do Pará, em setembro de 2024. “O caminhão se desgasta com o tempo, mas a ajuda permanece. Encontrei pessoas que testemunharam a chegada desses veículos quando eram jovens e afirmaram que eles ajudaram a construir muitas das estruturas eclesiais que hoje podemos ver, como casas paroquiais e igrejas. A fé desenvolveu as vilas que hoje são cidades com até 100 mil habitantes”.
Assim surgiu uma parceria promissora: os benfeitores da ACN forneceram os caminhões, e o povo da região o combustível da esperança. Com os terços nas mãos e muita fé no coração, avançavam ao longo da Transamazônica para erguer vivas comunidades cristãs. E essa comunhão continua abastecendo a Amazônia. Graças à generosidade dos benfeitores, esse apoio se manifesta hoje na construção de estruturas pastorais e igrejas, no suporte a religiosas, na motorização de missionários oferecendo barcos, carros e motos que ampliam o alcance pastoral. Além disso, a instalação de painéis solares que reduzem os custos com energia, permitindo maiores investimentos na evangelização.
Tudo começou com o projeto AMA, que traz esse nome como uma divina inspiração. Afinal, além de resumir a missão desses veículos, ele também é, na língua portuguesa, a conjugação no tempo presente do verbo amar, e descreve bem que a doação dos caminhões não foi um aproveitamento sustentável ou fruto de uma negociação comercial, mas um ato de amor inconformado que se esforça para, no momento presente, confortar os corações com o maior e mais valioso carregamento: o amor de Deus.
Por Tatianna Porto.