MOÇAMBIQUE: Em Mocímboa da Praia, onde a Igreja foi destruída pelos terroristas, os cristãos sentam-se no chão e rezam

Os cristãos de Mocímboa da Praia sabem bem o que significa a violência imposta pelos terroristas no norte de Moçambique. A sua igreja foi reduzida a escombros e as suas ruínas são hoje um símbolo do medo que se tem vivido em Cabo Delgado. Mas, apesar de não terem mais a sua Igreja, os cristãos continuam a rezar em Mocímboa da Praia. O templo foi destruído mas isso não impede que todos os domingos, debaixo das árvores que por ali se encontram, se escutem agora as orações destes fiéis cuja fé tem sido testada nos limites do terror…

“Faça chuva ou faça sol, nós estamos aqui.” Teresa Lúcia Mariano é uma das pessoas que agora, aos domingos, se junta debaixo de uma mangueira ou de outra das árvores frondosas que há junto às ruínas da Igreja da Imaculada Conceição, em Mocímboa da Praia, para rezar. Estar ali a rezar, sentada no chão, ou em cima de pedras, é mais do que um acto de fé. É também um gesto de resistência, um sinal de esperança dos cristãos desta importante vila portuária situada a cerca de 350 quilómetros a norte da cidade de Pemba e que foi o alvo, em Outubro de 2017, do primeiro ataque terrorista em Cabo Delgado.

Os católicos reúnem-se para rezar neste local, perto das ruínas da igreja da Imaculada Conceição em Mocímboa
Os católicos reúnem-se para rezar neste local, perto das ruínas da igreja da Imaculada Conceição em Mocímboa

Mas depois disso muitos outros se sucederam. Em Mocímboa da Praia são imensas as marcas da destruição que os terroristas deixaram, por exemplo após os largos meses em que ocuparam a vila em 2020. A notícia do rapto a 12 de Agosto desse ano e do cativeiro, durante 24 dias, de duas religiosas, as irmãs Inês e Eliane da congregação de São José de Chambéry, correu mundo. As ruínas do que foi a imponente Igreja da Imaculada Conceição edificada em 1954 pelos portugueses, é apenas um exemplo da violência imposta às populações locais pelos militantes jihadistas.

“Quase não temos nada”

Hoje, Mocímboa da Praia continua a ser uma zona ameaçada. Por lá, por estes dias, não há nenhum sacerdote ou religiosa mas a comunidade cristã continua activa e a rezar. Tal como Teresa Lúcia Mariano, também Vicente Gabriel continua a ir aos domingos para junto das ruínas da sua igreja para um momento de oração comunitária. Vicente é catequista. Nasceu em Muidumbe mas há quase vinte anos que vive ali. Foi por lá que fez até agora todo o seu percurso de fé. “Sou um cristão daqui, cristão baptizado nesta paróquia em 1995. Sou baptizado, crismado, sou casado canonicamente nesta mesma paróquia em 2019”, explica à Fundação AIS. Durante o tempo em que a vila esteve ocupada pelos terroristas houve uma debandada geral da população. Vicente incluído. “A paróquia quase foi abandonada, saímos para Pemba, por causa dos terroristas. Abandonámos a paróquia mas retornámos de novo. Estamos aqui mas com condições muito péssimas, pois a nossa paróquia, a casa paroquial está tudo totalmente destruído, quase não temos nada”, lamenta. Não há Igreja, não há cadeiras, apenas um resto das paredes faz lembrar o templo que foi o orgulho de todos. Não a fé continua viva. “A comunidade encontra-se aqui todos os domingos, debaixo das árvores das mangueiras, a realizar as orações normalmente com os cristãos paroquiais. As condições são péssimas mas mesmo assim não desistimos, seguimos o nosso culto dominical sem problema, e agradecemos a Deus.”

Paróquia em escombros

Hermínio José é jornalista e está também em Mocímboa da Praia. Ele tem testemunhado a coragem mas também a alegria destes fiéis que têm estado a ser testados na sua fé ao longo destes últimos sete anos de violência terrorista. Numa mensagem vídeo enviada para a Fundação AIS, Hermínio mostra as ruínas do que foi a Igreja após a passagem dos “insurgentes” pela vila em 2020. “Esta paróquia encontra-se nestas condições”, diz, apontando para um monte de pedras, de escombros já tomados pela vegetação. “Os fiéis, desde 2022, retomaram os cultos, eles rezam debaixo da sombra das árvores, sentam-se no chão ou em pedregulhos, uma vez que a paróquia, a sede paroquial, foi totalmente destruída. Esta paróquia está em escombros”, relata, acrescentando que o edifício não é recuperável. É uma obra que, a fazer-se agora, terá de ser começada do zero. “Não se trata de uma reconstrução mas sim de uma nova construção de raiz”, sublinha.

As ruínas da igreja da Imaculada Conceição em Mocímboa
As ruínas da igreja da Imaculada Conceição em Mocímboa

Rezar à sombra das árvores

A comunidade cristã local é reduzida. Nem todos voltaram depois da saída dos terroristas mas isso não faz diminuir o fervor com que todos se encontram para rezar, sempre alimentados por uma esperança que só a fé consegue explicar. “A nossa paróquia foi severamente destruída e por enquanto ainda não recebemos nenhum apoio mas na fé, na esperança, continuamos a rezar sempre na sombra das mangueiras deste nosso jambeiro”, diz Teresa Mariano que faz parte do grupo coral e é uma das pessoas que se junta em oração aos domingos ao lado das ruínas do templo. “Aos domingos, logo às primeiras horas, a gente se junta e fazemos uma oração para que Deus nos dê o Espírito Santo e nos dê aquela força para darmos continuidade e para que a nossa paróquia não se sinta abandonada”, explica à Fundação AIS. Teresa nunca se conformou com a destruição da sua igreja. E chorou mesmo quando soube da notícia. “Eu chorei. Eu nasci pela segunda vez nesta paróquia com o meu baptismo, foi a minha renascença, e naquele dia, quando tive a notícia de que o templo foi destruído, fiquei muito triste…” A comunidade cristã de Mocímboa da Praia tem dado um exemplo de fé e de coragem notáveis a todo o mundo. Uma mensagem que é sublinhada também por Hermínio José, o jornalista que tem sido uma voz importante dos anseios dos cristãos de Cabo Delgado, dos cristãos de Moçambique. “Os fiéis pedem encarecidamente para quem, de boa vontade, de boa-fé, possa ajudar na construção desta paróquia. É uma paróquia que tem registado, desde 2022 até esta parte, um crescente número de fiéis devido à retoma destes às suas residências depois dos ataques terroristas…”

“Temos esperança. Deus é tudo”

O bispo de Palma espera reconstruir a igreja, mas só quando a situação de segurança melhorar
O bispo de Palma espera reconstruir a igreja, mas só quando a situação de segurança melhorar

A comunidade cristã de Mocímboa da Praia, tal como em toda a província de Cabo Delgado está num limbo. Os terroristas continuam activos apesar do esforço do exército moçambicano apoiado pelas tropas de alguns países amigos, nomeadamente o Ruanda. Ninguém sabe como vai ser o dia de amanhã. Ninguém sabe se vai haver algum ataque, ninguém sabe se vai chorar a morte de algum familiar ou amigo. Ninguém sabe. Mas, como diz o catequista Vicente Gabriel, o mais importante, é viver a fé. Por isso, quando se encontram todos para rezar junto às ruínas da Igreja de Mocímboa da Praia, o importante não são as cadeiras que já não existem mas Deus que alimenta a fé de todo o povo. “Não temos cadeira, nem casa nem nada. Estamos aqui, debaixo das mangueiras. A sombra das mangueiras é que ajuda… Não temos cadeiras quase não temos nada. Mas, mesmo assim, não deixamos de pedir, de orar a Deus. Depois, mais tarde, se correr bem, Deus vai nos dar o meio para a gente poder adquirir as cadeiras”, diz numa mensagem para todo o mundo através da Fundação AIS. “A mensagem daqui de Moçambique, daqui de Mocímboa da Praia para o mudo inteiro é só para orarem por nós. Temos de ter fé. Um dia, a paróquia da Imaculada Conceição pode voltar [a ser] como dantes. Temos essa esperança. Deus é tudo. Temos coragem, não podemos abandonar Deus por causa destes acontecimentos: isto tudo são sinais da vida”, diz ainda o catequista, sublinhando a importância de a comunidade continuar a reunir-se e a rezar em conjunto apesar de todas as adversidades.

A situação no norte de Moçambique está a ser acompanhada em permanência pela Fundação AIS que aprovou, recentemente, um vasto pacote de ajuda de emergência para a Diocese de Pemba. Ajuda que inclui, além do apoio aos deslocados, o auxílio também à sobrevivência de 60 religiosas e 17 sacerdotes, à formação de 48 seminaristas, e ainda para projectos ligados à assistência espiritual às vítimas do terrorismo e para programas de evangelização para a rádio.

 

Por Paulo Aido.

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