Disposições legais em relação à liberdade religiosa e aplicação efetiva
A vasta maioria da população na Argélia é constituída por muçulmanos sunitas. Além disso, há um grupo de várias centenas de judeus locais.
Oficialmente, quase todos os cristãos são estrangeiros e muitos vêm da África subsaariana. Há comunidades católicas e protestantes no país. A Igreja Católica é a maior comunidade cristã e está organizada em quatro dioceses. Também há comunidades evangélicas, em especial na região de Kabyle. O número de cidadãos muçulmanos que se convertem ao Cristianismo é reduzido e, entre eles, a maioria adere às comunidades evangélicas.
O preâmbulo da Constituição da Argélia descreve o Islamismo como sendo um componente fundamental da identidade do país.[1] De acordo com o artigo 2.º, o Islã é a religião do Estado.[2] O artigo 10.º proíbe as instituições estatais de fazer qualquer coisa contra a moralidade islâmica.[3]
O artigo 87.º especifica que só um muçulmano se pode tornar presidente.[4] As leis argelinas não incluem o crime de apostasia.
As infrações relacionadas com a religião incluem o artigo 144.º (n.º 2) do Código Penal, que prevê que cada pessoa que insulte o Profeta Maomé ou denigra o credo ou os profetas do Islã, através da escrita, do desenho, de afirmações ou de quaisquer outros meios, vai ser punido com três a cinco anos de prisão, e/ou ser sujeito a pagar uma multa de 50.000 e 100.000 dinares argelinos[5] (entre cerca de US$450 e US$900).
Além disso, embora a Argélia permita que as organizações religiosas participem em trabalho humanitário, o proselitismo feito por não muçulmanos é um crime punível com uma multa e com até cinco anos de prisão para quem quer “que incite, constranja ou utilize meios de sedução tendentes a converter um muçulmano a outra religião; ou que use estabelecimentos de ensino, educação, saúde, sociais, culturais, de formação… ou quaisquer meios financeiros para esse fim”.[6]
Em 2006, o Presidente Abdelaziz Bouteflika emitiu o decreto n.º 06/03 que regulamenta o culto religioso não muçulmano. O decreto proíbe as tentativas de converter um muçulmano a outra religião ou mesmo de “abalar a fé de um muçulmano”, embora não proíba a conversão enquanto tal. No âmbito deste decreto, os argelinos podem ser multados em até um milhão de dinares e condenados a até cinco anos de prisão por imprimir, armazenar ou distribuir materiais destinados a converter muçulmanos.[7] Os livros e manuais cristãos são por isso raros no país e os cristãos não se sentem livres de transportar literatura cristã consigo.
Todos os grupos religiosos são obrigados a registrar-se no Ministério do Interior antes de realizarem quaisquer atividades e só podem reunir-se em locais aprovados pelo Estado.
As questões relacionadas com o direito familiar são regulamentadas pela lei da sharia. De acordo com o Código da Família, um homem muçulmano pode casar com uma mulher não muçulmana se ela pertencer a uma fé monoteísta. As mulheres muçulmanas não podem casar com homens não muçulmanos, a não ser que o homem se converta ao Islamismo.[8] Os filhos nascidos de um pai muçulmano são considerados muçulmanos, independentemente da religião da mãe.
Incidentes
A Argélia foi classificada em 42.º lugar em 2018 pela Open Doors World na lista de países onde é mais difícil ser cristão.[9]
No dia 8 de março de 2018, dois irmãos que tinham sido detidos em março de 2015 por terem Bíblias foram condenados na audiência de recurso. A condenação incluiu penas suspensas de três meses cada e uma multa de 100.000 dinares (cerca de US$900).[10]
No dia 2 de março de 2018, uma igreja que funcionava há mais de seis anos teve que fechar depois de receber uma notificação oficial. Nos três meses anteriores, três igrejas filiadas à Igreja Protestante da Argélia (EPA),[11] na região de Orã, foram também forçadas a fecharem.[12]
Em dezembro de 2017, Louis Martinez da Igreja Reformada Francesa foi deportado ao chegar ao aeroporto de Orã. Embora não tenham sido dadas razões oficiais para esta deportação, foi relatado o seguinte: “os líderes religiosos argelinos referem que esta deportação é coerente com um padrão mais abrangente de recusa de vistos a visitantes religiosos, que parece fazer parte de uma política pela qual as autoridades argelinas estão restringindo a capacidade das igrejas argelinas de estabelecerem parcerias com entidades externas”.[13]
Em julho de 2017, um cristão convertido do Islamismo, Slimane Bouhafs, recebeu um perdão presidencial parcial. Tinha sido detido em julho de 2016 e acusado de “insultar o Islã e o Profeta Maomé” nas suas redes sociais. Por ocasião do 55.º aniversário da independência da Argélia, o presidente argelino Abdelaziz Bouteflika reduziu a sua pena em 16 meses.[14]
Em setembro de 2017, Mohamed Fali, o chefe da minúscula comunidade ahmadiyya do país foi considerado culpado de “ofender o Islã” e recebeu uma pena suspensa de seis meses, segundo o seu advogado, Salah Dabouz.[15]
Acredita-se que haja cerca de 2.000 muçulmanos ahmadis na Argélia. Eles são considerados hereges e recentemente foram vítimas de repressão por parte das autoridades argelinas.[16]
O ministro dos Assuntos Religiosos, Mohamed Aissa,[17] afirmou em mais de uma ocasião que os muçulmanos ahmadis na Argélia são manipulados por “uma mão estrangeira” e acusou os seus líderes de conluio com Israel.[18] Disse também que a sua presença faz parte de uma “invasão sectária deliberada” e fez sentir que o governo pretende “acabar com o desvio dos preceitos religiosos”. Numa entrevista televisiva em fevereiro de 2017, afirmou que os muçulmanos ahmadis estavam prejudicando os fundamentos do Islã.[19]
Notas
[1] Duane A. Miller e Patrick Johnstone, ‘Believers in Christ from a Muslim Background: A Global Census’, Interdisciplinary Journal of Research on Religion, volume 11, 2015, pp. 1-19, p. 14, http://www.academia.edu/16338087/Believers_in_Christ_from_a_Muslim_Background_A_Global_Census (acesso em 18 de março de 2018).
[2] Journal Officiel de la République Algérienne Démocratique et Populaire. Conventions et accords internationaux – Leis e decretos, decisões, avisos, comunicações e anúncios (tradução francesa), 7 de março de 2016, n.º 14, 55.º ano, p. 5, https://www.joradp.dz/FTP/jo-francais/2016/F2016014.pdf (acesso em 18 de março de 2018).
[3] Ibid, p. 7.
[4] Ibid, p. 16.
[5] Gabinete de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho, 2016 Report on International Religious Freedom – Algeria, Departamento de Estado Norte-Americano, https://www.state.gov/documents/organization/269128.pdf (acesso em 12 de março de 2018).
[6] Global Legal Research Directorate, ‘Algeria,’ Laws Criminalizing Apostasy, Library of Congress, http://www.loc.gov/law/help/apostasy/#_ftn11 (acesso em 18 de março de 2018); Ali Amzal, ‘La loi interdit le prosélytisme’, L’Expression, 27 de outubro de 2015, http://www.lexpressiondz.com/actualite/228266-la-loi-interdit-le-proselytisme.html (acesso em 20 de março de 2018).
[7] ‘Algeria: Stop Persecuting a Religious Minority’, Human Rights Watch, 4 de setembro de 2017, https://www.hrw.org/news/2017/09/04/algeria-stop-persecuting-religious-minority (acesso em 29 de março de 2018).
[8] Artigo 30 do Código de Família argelino, Le mariage en droit algérien, http://www.cicade.org/wp-content/uploads/2015/07/Le-mariage-en-droit-alg%C3%A9rien.pdf (acesso em 29 de março de 2018).
O Código de Família argelino resulta da lei de 9 de junho de 1984 e foi modificado pelo decreto n.º 05-02 de 27 de fevereiro de 2005.
[9] ‘World Watch List: Algeria’, Open Doors. Serving persecuted Christian worldwide, 2018, https://www.opendoors.org.za/christian-persecution/world-watch-list/algeria/ (acesso em 29 de março de 2018).
[10] Os dois irmãos pretendem recorrer desta sentença de 8 de março e beneficiar de apoio jurídico da EPA (Igreja Protestante da Argélia). ‘Algeria government criticised over heavy fines for transporting Bibles’, World Watch Monitor, 16 de março de 2018, https://www.worldwatchmonitor.org/2018/03/algeria-government-criticised-over-heavy-fines-for-transporting-bibles/ (acesso em 29 de março de 2018).
[11] A Igreja Protestante da Argélia (EPA) foi reconhecida oficialmente pelo governo em 1974.
[12] ‘Algeria closes fourth church in four months’, World Watch Monitor, 22 de março de 2018, https://www.worldwatchmonitor.org/2018/03/algeria-closes-fourth-church-in-four-months/ (acesso em 29 de março de 2018).
[13] ‘Sentencing of pastor adds to uptick in persecution in Algeria’, Morning Star, 12 de março de 2018, https://morningstarnews.org/2018/03/sentencing-of-pastor-adds-to-uptick-in-persecution-in-algeria/ (acesso em 29 de março de 2018).
[14] ‘Jailed Algerian Christian receives partial presidential pardon’, World Watch Monitor, 12 de julho de 2017, https://wwrn.org/articles/47075/ (acesso em 29 de março de 2018).
[15] ‘Ahmadiyya Community’s local Head convicted of blasphemy in Algeria’, The Express Tribune, 14 de setembro de 2017, https://tribune.com.pk/story/1505904/ahmadiyya-communitys-local-head-convicted-blasphemy-algeria/ (acesso em 29 de março de 2018).
[16] ‘Algeria’s Ahmadis forced to worship behind closed doors’, The New Arab, 26 de agosto de 2017, https://www.alaraby.co.uk/english/society/2017/8/26/algerias-ahmadis-forced-to-worship-behind-closed-doors (acesso em 29 de março de 2018).
[17] ‘Mohamed Aïssa : «Notre référent religieux est menacé par une invasion sectaire»’, Algérie patriotique, 9 de outubro de 2016, https://www.algeriepatriotique.com/2016/10/09/mohamed-aissa-notre-referent-religieux-est-menace-par-une-invasion-sectaire/ (acesso em 29 de março de 2018).
[18] julho de 2017.
[19] Entrevista a Mohamed Aïssa, Ministro Argelino de Awqaf, Radio Algérie, 23 de fevereiro de 2017, https://www.youtube.com/watch?v=LVJxiWiyQ9U (acesso em 20 de março de 2018).
[20] ‘L’Algérie adopte une nouvelle constitution contestée par l’opposition’, Le Parisien, 7 de fevereiro de 2016, http://www.leparisien.fr/international/l-algerie-a-adopte-une-nouvelle-constitution-contestee-par-l-opposition-07-02-2016-5523183.php (acesso em 10 de abril de 2018).
[21] ‘Révision de la constitution. Une pomme de discorde nommée liberté de culte’, Algérie Focus, 15 de dezembro de 2015, http://www.algerie-focus.com/2015/12/revision-de-la-constitutionla-liberte-de-culte-au-sein-du-palais-del-mouradia/ (acesso em 10 de abril de 2018).
[22] Amayas Zmirli, ‘Algérie – Mgr Paul Desfarges : « Nous préférons continuer à parier sur le vivre-ensemble »’, Le Point, 24 de dezembro de 2017, http://afrique.lepoint.fr/culture/algerie-mgr-paul-desfarges-nous-preferons-continuer-a-parier-sur-le-vivre-ensemble-24-12-2017-2182289_2256.php (acesso em 10 de abril de 2018).
[23] Tunisia army clashes with armed group on Algeria border’, Middle East Monitor, 29 de março de 2018, https://www.middleeastmonitor.com/20180329-tunisia-army-clashes-with-armed-group-on-algeria-border/ (acesso em 10 de abril de 2018).